TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ficada, e por isso mesmo constitutiva do dever estadual de indemnizar, a prisão que tiver sido decretada com erro grosseiro na avaliação dos respectivos pressupostos de facto. Importa por isso, antes do mais, resolver a questão: introduz uma restrição excessiva , ou não proporcio- nada, do direito à liberdade, lesiva do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a norma contida no n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal, que, não se satisfazendo com o juízo absolutório, faz depender o direito a indemnização por prisão preventiva materialmente injustificada da prova, a produzir na acção de responsabilidade civil contra o Estado, de ocorrência de erro grosseiro na apreciação pressupostos de facto que determinaram a imposição da medida de coacção? 4.3. O bem jurídico protegido pelo direito consagrado no artigo 27.º da Constituição ocupa, no sistema de bens jusfundamentalmente tutelados, um inquestionável lugar de relevo. A protecção da liberdade é con- tígua dos princípios do Estado de direito e da dignidade da pessoa humana; por isso, a norma constitucional que a consagra não pode deixar de impor ao legislador especiais deveres de protecção, desde logo através da emissão de normas que impeçam que a liberdade de cada um seja lesada, por acto da comunidade erguida em Estado ou por acto individual de qualquer dos seus membros. A injunção contida no n.º 5 do artigo 27.º da CRP, segundo a qual a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado em dever de indemnizar (nos termos que a lei estabelecer), integra um desses deveres de protecção, impendentes sobre o legislador ordinário, e cujo cumprimento é exigido pelo particular relevo que o bem jusfundamental- mente tutelado assume. Perante este relevo – e perante a natureza dos prejuízos decorrentes de prisão preventiva injustificada – poder-se-ia à primeira vista pensar que a restrição da indemnização, em casos de prisão preventiva legal, às situações de ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a apli- cação da medida de coacção, não seria, de acordo com o princípio da proibição do excesso, nem necessária nem proporcional (em sentido estrito) face aos valores e interesses constitucionais que justificam a restrição. Sendo estes valores a protecção da segurança, das liberdades dos outros e da eficácia da justiça penal, dir-se-ia que a repartição solidária do sacrifício por via da atribuição de uma indemnização ao indivíduo que esteve sujeito a prisão preventiva que se viesse a revelar, ex post , materialmente injustificada, em nada afectaria a prossecução dos valores constitucionais justificativos da restrição, pelo que seria desde logo desnecessária a suportação, em exclusivo, pelo arguido, do prejuízo decorrente de privação da liberdade fora das circunstân- cias previstas no n.º 2 do artigo 225.º do CPP. Ainda que assim se não entendesse, dir-se-ia que seria desproporcionada, em sentido estrito, a suporta- ção em exclusivo do sacrifício fora dessas circunstâncias: dado o benefício que daí tinham retirado os demais membros da comunidade jurídica, haveria que repor o equilíbrio, através, por exemplo, de compensação financeira a suportar pelo Estado. Tal conclusão seria, porém, apressada. É que a apreciação da questão de saber se a repartição solidária do sacrifício afecta ou não a eficácia do sistema criminal, ou a segurança e, fundamentalmente, a liberdade individual dos demais membros da comunidade implica, dada a estrutura multipolar das relações jurídicas envolvidas, arbitrar um verdadeiro conflito de liberdades, algo que o Tribunal Constitucional não está em condições de efectuar. Dito de outra maneira, o controlo sobre o modo como o legislador ordinário cumpriu os seus deveres de protecção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, ainda que com restrição de direitos, liberdades e garantias individuais, não pode ter como consequência ser o poder judicial a proceder a avaliações sobre factos, a efectuar ponderações entre bens e a formular juízos de prognose que integram, na sua essência, a função legislativa do Estado. Fazê-lo equivaleria a substituir um equilíbrio sistémico, intrinsecamente complexo e politicamente sen- sível, estabelecido pelo legislador ordinário, por um novo equilíbrio a estabelecer pelo próprio Tribunal Constitucional.
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