TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
113 ACÓRDÃO N.º 185/10 Determinar se apenas através de um regime de suportação em exclusivo do sacrifício consistente em sujeitar um indivíduo inocente a privação da liberdade se assegura a eficácia do sistema criminal e, portanto, a protecção da liberdade individual dos demais membros da comunidade, está à margem dos poderes de apreciação do Tribunal. Impõe-se aqui articular com maior desenvolvimento as razões por que assim é, pois, de outra maneira, poderia argumentar-se que o exercício de poderes de controlo por parte do Tribunal Constitucional estaria sempre prejudicado, porquanto qualquer juízo de inconstitucionalidade normativa afecta ou é susceptível de afectar sensíveis equilíbrios sistémicos estabelecidos a nível legislativo. Importa, desde já, assinalar que o equilíbrio que está aqui em causa não tem tanto que ver com a questão de saber se a introdução de um mecanismo de responsabilização solidária por sujeição a prisão preventiva através da atribuição de uma indemnização em casos de absolvição iria ou não condicionar a aplicação da prisão preventiva por parte de magistrados, receando-se que, de repente, a comunidade se visse confrontada com uma situação de deficit de aplicação dessa medida de coacção. Tal cenário não se põe por, formalmente, o sujeito responsável ser o próprio Estado e não, naturalmente, o magistrado judicial (questão diferente é saber se, ainda assim, não será admissível sustentar que o magis trado judicial teria um incentivo em retrair-se por forma a não sobrecarregar financeiramente o Estado). Ainda que assim fosse, isto é, ainda que a introdução de um mecanismo de responsabilização solidária por sujeição a prisão preventiva através da atribuição de uma indemnização em casos de absolvição viesse condicionar a aplicação da prisão preventiva por parte de magistrados judiciais, sempre se poderia argumen- tar que tal consequência ou efeito, longe de ser negativa ou perverso, seriam, antes pelo contrário, vantajosos, pois viriam afectar os incentivos dos agentes de modo a tornar o sistema processual penal mais eficiente, sen- do os custos de eventuais ineficiências que ocorressem suportados solidariamente pela comunidade (sendo esse custo calculado já não em função do montante a atribuir a título de indemnização a indivíduo privado da sua liberdade mas antes em função de uma situação de deficit de prisão preventiva), ao passo que, face ao regime legal vigente, os custos de eventuais ineficiências são suportados em exclusivo pelo indivíduo. OTribunal Constitucional não tem agora que tomar posição sobre se, perante esse cenário, i. e. , perante um cenário em que existisse, sem margem para dúvida, um nexo de causalidade entre a introdução de um regime de responsabilização solidária e uma situação de deficit de prisão preventiva, estaria ou não em condições de intervir com fundamento em inconstitucionalidade por excesso de restrição. É que, ao contrário do que, numa primeira apreciação, se seria levado a pensar, paira uma incerteza sobre se a introdução de um regime de responsabilização solidária inevitavelmente conduz a uma situação de deficit de prisão preventiva. Com efeito, não é desrazoável admitir-se a hipótese de o cenário ser o oposto, i. e. de a introdução de um mecanismo de responsabilização solidária por sujeição a prisão preventiva através da atribuição de uma inde mnização em casos de absolvição vir agilizar a aplicação da prisão preventiva por parte de magistrados judiciais. Sabendo que a sujeição de um indivíduo a prisão preventiva, em caso de posterior absolvição, daria sem- pre lugar à atribuição de uma indemnização, o magistrado judicial poderia, consciente ou inconscientemente, sentir-se menos compelido a moderar o recurso a essa medida de coacção comparativamente com o que sucede face ao regime actualmente em vigor, verificando-se, inclusive, um aumento do número de prisões preventivas decretadas e, portanto, uma afectação mais intensa da própria liberdade individual do arguido. Não interessa saber se tal cenário é certo, provável, ou apenas hipotisável. A mera incerteza basta para que o Tribunal Constitucional não possa senão deferir perante o juízo formulado pelo legislador, gozando este último de ampla liberdade de conformação relativamente ao próprio juízo quanto à necessidade do re- gime contido no n.º 2 do artigo 225.º do CPP. Assim, deve concluir-se que, face ao disposto no artigo 27.º da CRP – e face à leitura sistémica do regime contido no seu n.º 5 –, não é inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do CPP, quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo .
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