TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Resta saber se se pode manter a conclusão face aos restantes parâmetros de controlo que são invocados pela recorrente. 5. Do artigo 22.º da CRP e da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais 5.1.   Como já se viu, alega ainda a recorrente que é inconstitucional a norma sob juízo face ao disposto no artigo 22.º da CRP. A tese que, a este propósito, é sustentada nas alegações resume-se fundamentalmente ao seguinte. Do artigo 22.º da CRP decorre um dever de indemnizar do Estado por todos os actos da função judicial de que resulte violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem; da prisão preventiva de arguido que venha a ser posteriormente absolvido resulta a violação do direito, liberdade e garantia con- sagrado no artigo 27.º da CRP; assim, e nos termos do artigo 22.º, tal deve ser sempre indemnizável pelo Estado, ainda que a prisão não seja ilegal, porquanto a responsabilidade a que se refere o artigo 22.º engloba, também, os actos lícitos da função judicial. Como este dever de indemnizar do Estado, assim recortado, tem como correlato um direito – o direito à indemnização –, e como este direito é directamente aplicável, nos termos conjugados dos artigos 17.º e 18.º, n.º 1, da CRP, daqui se segue que a Constituição impõe que o custo de uma prisão preventiva a que se siga juízo absolutório do arguido seja sempre repartido por toda a comunidade política, através de compensação a prestar pelo Estado. Assim, é inconstitucional a norma con- tida no n.º 2 do artigo 225.º do CPP, que, não se satisfazendo com o juízo absolutório, faz depender o direito a indemnização da ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de coacção. Que dizer desta tese, deste modo enunciada? Em primeiro lugar, deve notar-se que, se do regime disposto no n.º 2 do artigo 225.º do CPP resultasse violação de um direito, liberdade e garantia, o acto da função judicial que aplicasse tal regime (ou seja, que decretasse prisão preventiva consabidamente não geradora de indemnização, não obstante juízo absolutório posterior do arguido) não poderia ser qualificado como acto lícito do Estado. A ilicitude é a contrariedade ao Direito. Uma medida lesiva de um direito fundamental é, seguramente, um quid ilícito. A tese segundo a qual haveria aqui dever estadual, por impor o artigo 22.º da Constituição a existência de responsabilidade civil extracontratual do Estado em todos os actos lícitos da função judicial de que resultasse violação de um direito, liberdade e garantia, contém em si mesma, portanto, alguma contradição lógica. A isto acresce que, como se concluiu no ponto anterior, a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do CPP, por conter uma restrição não inconstitucional do direito à liberdade, não lesa afinal nenhum direito, liberdade e garantia. Em segundo lugar, deve notar-se que, como oTribunal sempre tem dito (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 12/05, § 14), o artigo 22.º consagra antes do mais uma garantia de instituto. A Constituição recebe e protege aí o instituto infraconstitucional da responsabilidade civil extracontratual do Estado, impedindo dessa forma que o legislador ordinário o aniquile ou desfigure, nos seus traços essenciais. É certo que, nesses traços essenciais, se pode incluir uma injunção de previsão dos pressupostos da responsabilidade pública por actos prejudiciais da função judicial; no entanto, tal não exonera o legislador do cumprimento da específica tarefa de conformação que é a sua. É à lei que cabe determinar em que casos deve o Estado responder civil- mente por prejuízos causados às pessoas por actos da função judicial, determinando os seus pressupostos e a medida da indemnização. A tese segundo a qual decorreria, in casu , e da simples redacção do artigo 22.º da CRP, um direito à indemnização directamente aplicável, análogo a um direito, liberdade e garantia nos termos conjugados dos artigos 17.º e 18.º, n.º 1, primeira parte – o que seria bastante para fundamentar a inconstitucionalidade das condições “restritivas” do dever público de indemnizar fixadas no n.º 2 do artigo 225.º do CPP – não colhe, portanto, atenta a natureza de garantia institucional que detém a previsão, na Lei Fundamental, do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Face a este parâmetro, não merece portanto censura a norma sob juízo.

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