TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (n.º 2 do artigo 32.º da CRP), justificada para salva- guarda de outros valores constitucionalmente protegidos, como os da eficácia da justiça penal, da segurança e da própria liberdade individual dos demais membros da comunidade. É em nome destes valores comu- nitários que a Constituição permite que, ao arguido, presuntivamente inocente, se imponha o sacrifício da liberdade individual, antes de convencido por sentença judicial condenatória. Como também é exacto que o direito à indemnização que no n.º 5 se estabelece é corolário do direito à liberdade que o artigo 27.º no seu todo visa proteger e que deve ser compreendido nesse quadro e não mediante uma interpretação literal isola- da. De modo que a fundamental questão que se coloca, di-lo bem o Acórdão, é a de saber por conta de quem deve correr o risco, caso venha ex post a concluir-se, por um juízo absolutório, que a prisão preventiva, formal e substancialmente conforme ao direito no momento em que foi decretada, afinal se não justificava. Isto é, que o sacrifício da liberdade, lícito no momento em que foi imposto, se revelou materialmente injustificado. Numa interpretação valorativamente coerente da Constituição, à luz do princípio geral de ressarcibili- dade dos encargos e danos que ultrapassem a álea geral e sejam geradores de uma desigualdade perante os en- cargos públicos, não existe razão válida para que a indemnização por privação injustificada da liberdade fique condicionada à existência de erro grosseiro na imposição desta. Nem sequer à existência de erro censurável no momento da aplicação. Esta restrição não existe no caso de danos causados a outros direitos fundamentais por actos lícitos do poder público, designadamente pelo sacrifício do direito de propriedade, como sucede na requisição ou expropriação por utilidade pública (artigo 62.º, n.º 2, da CRP). Não se vê em salvaguarda de que valores haveria a Constituição de tolerá-la perante o sacrifício (materialmente) injustificado da liberdade. Seria incongruente admitir o dever de indemnizar do Estado sempre que um acto do poder público afecte licitamente, para prossecução do interesse público, os interesses patrimoniais do cidadão, deixando despro- tegida a lesão, lícita mas não menos gravosa, de um valor elementar como o da liberdade pessoal, ao sujeitar o ressarcimento dos danos decorrentes da prisão preventiva à prova de erro do aplicador do direito avaliável por referência à realidade processual no momento em que a decretou (cfr. Maria Paula Ribeiro de Faria, in Jurisprudência Constitucional, n.º 5, em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 12/05 e Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3804, p. 83, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Outubro de 1990). A imposição da medida de coacção tem justificação nos valores constitucionalmente tutelados que o acórdão refere. Mas fazer recair o risco de a sua imposição vir a revelar-se objectivamente desnecessária, exclu- sivamente, sobre o indivíduo a ela sujeito, afigura-se uma restrição desproporcionada do direito à liberdade individual, porque, a meu ver, não passa o teste da necessidade. Com efeito, a prossecução dos valores que constitucionalmente justificam a restrição da liberdade autorizada pela alínea b ) do n.º 2 do artigo 27.º da Constituição alcança-se com a decretação judicial da medida de coacção, de acordo com o regime legal e os pressupostos de facto que à data da sua imposição o processo revelava. E nisso se esgota. Não justifica que, em nome deles (ou dessa autorização constitucional para restringir), continue, depois da absolvição por falta de provas, a sacrificar-se o indivíduo que foi sujeito à medida de coacção, privando-o do ressarcimento dos prejuízos dessa prisão preventiva que a evolução do processo revelou ser materialmente injustificada, em vez de repartir o seu custo por toda a comunidade em benefício de quem foi decretada. Pelo menos é exces- sivo (proporcionalidade em sentido estrito) que seja o arguido a suportar as gravosas consequências de uma decisão que, em nome de interesses opostos aos seus, teve de ser tomada perante prova indiciária que vem a revelar-se insubsistente, quando para esse sentido da decisão não tenha ele dado causa determinante, por qualquer comportamento processual doloso ou negligente. Interpreto, pois, o n.º 5 do artigo 27.º da Constituição como não restringindo o direito a indemnização pela prisão preventiva feita “contra a Constituição e na lei” às hipóteses de ilicitude da imposição da medida. A prisão preventiva lícita, mas que vem a revelar-se materialmente injustificada, não deixa de constituir uma lesão do direito de liberdade individual. A conformidade à lei e a correcção de apreciação dos pressupostos de facto no momento da imposição da medida de coacção é o bastante para a privação da liberdade, mas não explica a privação da compensação pelo sacrifício. O legislador pode conformar o direito à indemnização,
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