TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

117 ACÓRDÃO N.º 185/10 de acordo com a ampla liberdade que a parte final do preceito lhe outorgou (v. g. limitação ou sistema de determinação dos danos atendíveis, prazos, mecanismos processuais), mas não pode eliminar o seu núcleo essencial. Se bem leio, o Acórdão não se afasta muito desta base de compreensão do problema. Conclui, porém, que a solução que exclui a indemnização por danos decorrentes de prisão preventiva imposta a arguidos que acabam por ser absolvidos em julgamento, por não se provarem os factos de que estavam acusados, escapa aos poderes de apreciação do Tribunal, por tal controlo ser susceptível de afectar os equilíbrios sistémicos que a Constituição terá deixado à ampla liberdade de conformação do legislador. O facto de o ordenamento admitir a indemnização em tais circunstâncias seria um dado que os juízes teriam em consideração no momento de aplicar a medida de coacção. E com prognóstico incerto, tanto podendo conduzir a um defi­ cit como a um excesso de uso da prisão preventiva. A mera incerteza quanto ao resultado da existência de solução diferente daquela que se aprecia bastaria para que o Tribunal não possa censurar a opção legislativa. Em último termo, diz o acórdão, poderia verificar-se um aumento do número de prisões preventivas decreta- das e, portanto, uma afectação mais intensa da própria liberdade individual do arguido. Não acompanho esta ponderação, cujo resultado ilude, a meu ver, o problema que o acórdão bem enuncia. Os custos de eventuais ineficiências do sistema não podem, quando está em causa um bem jusfun- damental cuja protecção é contígua aos princípios do Estado de direito e da dignidade humana, recair em exclusivo sobre o indivíduo a quem é imposto o sacrifício desse mesmo bem. O objectivo da “justa medida” na imposição da prisão preventiva, sem deficit e sem excesso de utilização, alcança-se pelo estabelecimento de pressupostos legais rigorosos, por adequados mecanismos de controlo das decisões tomadas neste âmbito, pela selecção e preparação criteriosa dos magistrados e medidas processuais e organizativas semelhantes. Não atribuir indemnização pelo sacrifício aos indivíduos particularmente atingidos por prisão preventiva que o desfecho do processo venha a revelar materialmente injustificada por receio de que isso possa induzir os juízes a um uso mais frequente da prisão preventiva, é adoptar um meio que, à luz dos princípios do Estado de direito, tem de ser considerado, se não inadequado, pelo menos manifestamente excessivo para esse mesmo fim da tutela da liberdade. Efectivamente, não pode dizer-se que há risco de “uma afectação mais intensa da própria liberdade individual do arguido” se o sistema reconhecer indemnização aos arguidos absolvidos por não se ter provado a acusação. Para o indivíduo a quem a medida tenha sido aplicada a afectação da liberdade é real, já não é um risco. À inevitável privação da liberdade soma-se a suportação individual dos respectivos efeitos lesivos. Ora, proteger a hipotética liberdade de uma categoria (todos os arguidos) mediante a não compensação pública do sacrifício da liberdade do arguido efectiva e concretamente atingido pela prisão pre- ventiva que a posteriori vem a revelar-se injustificada, é solução que me parece desproporcionada e repelida pelo princípio do Estado de direito. – Vítor Gomes. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 13 de Setembro de 2010. 2 – Os Acórdãos n. os 160/95 e 12/05 estão publicados em Acórdãos, 30.º e 61.º Vols., respectivamente.

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