TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II — Fundamentação 2. A primeira questão de constitucionalidade que vem colocada refere-se à norma do artigo 173.°, n.° 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), quando interpretada no sentido de poder decidir-se a rejeição do recurso contencioso por extemporaneidade sem que previamente tenha sido dado conhecimento à recor- rente e ao Ministério Público para se pronunciarem sobre essa questão prévia. Dispõe esse preceito, sob a epígrafe «questões prévias», que «quando o relator entender que se verifica extemporaneidade, ilegitimidade das partes ou manifesta ilegalidade do recurso, fará uma breve e fundamen- tada exposição e apresentará o processo na primeira sessão sem necessidade de vistos». Essa disposição, entendida no sentido que é possível rejeitar o recurso contencioso quando se veri- fique circunstância que afecte o seu prosseguimento, logo na fase inicial do processo, sem qualquer prévia audição do interessado, não tem paralelo nem nas disposições contemporâneas que regulavam o regime de impugnação de actos administrativos na jurisdição administrativa (cfr. artigo 57.º, § 3.º, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo), nem nas subsequentes reformas de contencioso administrativo, que sem- pre previram, ou por disposição expressa ou por remissão supletiva para o disposto no Código de Processo Civil, a audição do impugnante quando fosse suscitada questão (ainda que oficiosamente através do parecer do relator) que obstasse ao conhecimento do objecto do processo (cfr. artigo 54.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, e artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil por remissão do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Pretende o recorrente que uma tal interpretação da referida norma do EMJ, à revelia do que sempre consignaram as correspondentes disposições da lei processual administrativa, viola o direito a um processo equitativo, tal como consagrado no artigo 20.°, n.° 4, da Constituição, na sua dimensão do direito ao con- traditório e de proibição de decisões-surpresa. O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efective – na conformação norma- tiva pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4). Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correcto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º Vol., p. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96). Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucio- nalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do pro- cesso e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra, 2003, p. 839, e ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 122/02 e 403/02). O Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3.º que «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pres- supõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para
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