TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
137 ACÓRDÃO N.º 187/10 uma vez que, fosse qual fosse a decisão sobre a questão de constitucionalidade, nunca o tribunal a quo admitiria decidir a causa por aplicação do conteúdo da Declaração de Rectificação, uma vez que considera que essa recti- ficação não se conteve nos limites que a lei consente a tal figura. Aliás, no caso, a questão de constitucionalidade – ao menos na construção adoptada na sentença – só se coloca porque a questão da legalidade se resolveu em determinado sentido. Considera-se violado o disposto na alínea c) do artigo 161.º e no n.º 4 do artigo 29.º da Constituição precisamente porque foi recuperado, por essa via, um ilícito contra-ordenacional que deixara de figurar no texto publicado, usando-se ilegalmente o mecanismo da rectificação. O juízo de ilegalidade da rectificação, que autonomamente se formulou, é aqui pressuposto necessário do juízo de inconstitucionalidade a que se chegou quanto à norma rectificada. Afinal, o acto a que não se reconhece aptidão para produzir os efeitos jurídicos a que tende é a declara- ção de rectificação. A norma rectificada não se considera sequer existir no ordenamento com o conteúdo de que essa declaração a pretendia dotar, uma vez que o acto integrativo ou complementar (a rectificação) não chegou a projectar qualquer efeito no conteúdo da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, por não respeitar as regras (de direito ordinário) que regiam a sua emissão. É entendimento que se mantém, pelo que não se conhecerá do presente recurso no que toca à referida “declaração de rectificação”. 4. Cumpre apreciar a 2.ª questão de inconstitucionalidade. A sentença recorrida foi proferida num processo de impugnação de decisão proferida em processo de contra-ordenação em que a Administração aplicara uma coima à recorrida A. por violação do artigo 245.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, ao não ter realizado, no prazo legalmente estipulado, exame de saúde a uma trabalhadora admitida ao seu serviço. O tribunal a quo entendeu que a punição da conduta como contra- -ordenação foi revogada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, que aprovou o Código do Trabalho. Mas que tal “despenalização” é inconstitucional por violação do dever de protecção do direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, que incumbe ao Estado, nos termos das disposições conjugadas da alíneas c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 59.º da Constituição. Entendeu a sentença recorrida que, ao impor aos empregadores o dever de realização de controlos efi- cazes quanto à saúde dos trabalhadores e à sua aptidão para o exercício das respectivas tarefas profissionais e ao estabelecer um regime sancionatório para a inobservância desses deveres, o legislador cumpriu, não só obrigações comunitárias ( maxime a Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho; no artigo 2.º da Lei n.º 35/2004 indicam-se os actos comunitários de que o diploma efectua a transposição, total ou par- cial), mas também a imposição constitucional de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores. Trata-se de direitos fundamentais dos trabalhadores que implicam deveres para a entidade empregadora e um sistema adequado de controlo e fiscalização por parte dos poderes públicos. Ao revogar a sanção para o incum- primento desses deveres da entidade patronal o legislador criou, diz a sentença, um “vazio legal” quanto ao nível de protecção anteriormente atingido e que já não podia ser anulado ou restringido. 5. Os “direitos dos trabalhadores” consagrados no artigo 59.º da Constituição não têm natureza homo génea. Alguns apresentam a estrutura de “direitos, liberdades e garantias” (por exemplo, o direito à retri- buição do trabalho; o direito ao repouso, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas). Outros, pela necessidade de prestações públicas ou da intervenção mediadora de poderes públicos e pela inexequibilidade directa pertencem à categoria dos “direitos económicos, sociais e culturais”. O direito à “prestação do trabal- ho em condições de higiene, segurança e saúde”, que é o que agora releva, é destes últimos (cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, p. 771). Trata-se de um direito cuja realização prática implica estabelecer deveres de organização do local de trabalho e das condições de prestação deste e de observação ou vigilância de certos aspectos da aptidão psico-físico do trabalhador (medicina do trabalho, em benefício deste e não, directamente, da organização),
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