TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL deveres esses que hão-de principalmente incidir sobre o outro sujeito da relação laboral (embora, também neste campo, sejam concebíveis deveres secundários que incidam sobre o próprio trabalhador e colegas de trabalho). A cargo do Estado – não considerando aqui as relações de emprego público em que o Estado aparece na veste de sujeito da relação de trabalho e em que a sua vinculação emerge dessa qualidade e do bloco normativo derivado (cfr. n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 35/2004) – a norma constitucional comporta, sobretudo, imposições legisferantes e de organização de serviços para estabelecer e tornar efectivo o regime instituído com tal objectivo constitucional. Os deveres de realização normativa do direito ou garantia, consistem, em primeira linha, em editar um quadro jurídico adequado que não só imponha a organização do lugar e tempo de trabalho em condições so- cialmente dignificantes, como previna, evite, ou minore os efeitos da actividade profissional e das condições em que é prestada sobre a saúde física e psíquica do trabalhador. Mas facilmente se concluirá que, neste domínio, não basta estabelecer um quadro normativo que im- ponha deveres a cargo da entidade patronal, deixando a sua realização prática ao jogo da autonomia privada nas relações entre empregadores e trabalhadores, apenas com eventual recurso à via judiciária por parte destes, em caso de incumprimento. Em primeiro lugar, a desigualdade fáctica na relação laboral, a verificação de que as condições económicas e sociais das partes na relação de trabalho fazem com que esta não seja, na realidade, uma relação paritária e que uma das partes, o trabalhador, surja como uma “parte mais fraca” a carecer de medidas de protecção pública, assume aqui uma particular evidência. Dificilmente cada trabalha- dor está em condições, no curso de uma relação laboral subsistente, de pugnar pela defesa individual da sua posição perante o incumprimento por parte da entidade patronal dos deveres destinados a assegurar a saúde no trabalho. Depois, e não menos importante, na generalidade dos casos, trata-se de assegurar a afectação da saúde dos trabalhadores perante factores de risco cujos efeitos não se produzem imediatamente ou não são imediatamente visíveis, pelo que tem de funcionar um princípio de prevenção ou pro-actividade que só uma defesa colectiva (sindical ou por organizações de trabalhadores no seio da empresa) ou comunitária (pública) pode eficazmente assegurar. Deste modo, bem se compreende que o cumprimento dos deveres postos por lei a cargo das entidades patronais em ordem à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho seja tradicionalmente sujeito a fisca lização por parte de entidades públicas ( v. g. organismos de inspecção do trabalho) e que o incumprimento de tais deveres dos empregadores (ou de representantes seus e, porventura, dos próprios trabalhadores) seja objecto de sanção repressiva. Isto é, que o incumprimento de tais deveres não acarrete ou não acarrete somente ilicitude contratual, mas constitua ilícito de mera ordenação social e, em situações de maior gravidade, até ilícito penal. 6. A norma constitucional [artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa (CRP)] protege o trabalhador em três aspectos: segurança, higiene e saúde no trabalho. No que se refere à saúde no trabalho, que é o domínio da norma infringida e deixada sem sanção contra‑ordenacional, o artigo 245.º da Lei n.º 35/2004 dispunha o seguinte: «Artigo 245.º Exames de saúde 1 – O empregador deve promover a realização de exames de saúde, tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo. 2 – Sem prejuízo do disposto em legislação especial, devem ser realizados os seguintes exames de saúde: a ) Exames de admissão, antes do início da prestação de trabalho ou, se a urgência da admissão o justificar, nos 15 dias seguintes; b ) Exames periódicos, anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50anos, e de dois em dois anos para os restantes trabalhadores;
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