TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Este Tribunal já teve, aliás, ocasião de se mostrar particularmente restritivo nesta matéria, pois que no Acórdão n.º 101/92 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 21.º Vol., pp. 389-390), parece ter considerado que só ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem diminuídos ou afectados «direitos adquiridos», e isto «em termos de se gerar violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âm- bito económico, social e cultural», tendo em conta uma prévia subjectivação desses mesmos direitos. Ora, no caso vertente, é inteiramente de excluir que se possa lobrigar uma alteração redutora do direito violadora do princípio da protecção da confiança, no sentido apontado por aquele aresto, porquanto o artigo 39.º do diploma em apreço procede a uma expressa ressalva dos direitos adquiridos. Todavia, ainda que se não adopte posição tão restritiva, a proibição do retrocesso social operará tão-só quando, como refere J. J. Gomes Canotilho, se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial». Ou, ainda, tal como sustenta José Carlos Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação do princípio da igualdade ou do princípio da protecção da confiança; ou, então, quando se atinja o conteúdo de um direito social cujos contornos se hajam iniludivelmente enraizado ou sedimentado no seio da sociedade.» Este entendimento foi reafirmado pelo Tribunal em várias ocasiões, designadamente nos Acórdãos n. os 590/04 e 188/09, in Diário da República, II Série , de 3 de Dezembro de 2004, e 18 de Maio de 2009, res pectivamente. Recorde-se que no presente processo está em causa a violação do dever de submeter o trabalhador a exame de saúde antes do início da prestação de trabalho ou nos 15 dias posteriores, nos termos do artigo 245.º, n. os 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. Ora, por um lado, de modo algum pode considerar-se que da Constituição resulte uma ordem de legislar, concreta e precisa, de forma a identificar a verificação da aptidão física e psíquica dos trabalhadores, mediante um exame da responsabilidade do empregador, como incluído no standard mínimo da prestação do trabalho em condições de saúde. Trata-se de uma medida preventiva ou de “despiste” de situações susceptíveis de comprometimento ou agravamento perante as exigências ou as condições da prestação do trabalho. Mas não pode afirmar-se que na falta de imposição desse dever à entidade patronal fique afectado o direito fundamental dos trabalhadores a prestar trabalho “em condições de higiene, segurança e saúde”. É uma obrigação indiscutivelmente acessória relati- vamente à exigência de que a prestação de trabalho decorra em condições de menor lesividade possível para a saúde dos trabalhadores. Pelo que, abstracção feita de vinculações internacionais ou de direito da União que não vem ao caso considerar, a sua consagração é opção que cabe na discricionariedade legislativa. Incumbe ao Estado concretizar “com grande latitude” o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição (Rui Medeiros in Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 605). Deste modo, não podendo integrar-se a medida protectora no núcleo essencial da concretização do direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, também não poderia qualificar-se a revogação da tutela sancionatória para a violação desse dever, quando imposto pelo legislador, como aniquilando o conteúdo desse direito fundamental. 8. É certo que o direito consagrado nesta norma constitucional postula uma actuação do Estado, não só no sentido de editar normas relativas à higiene, segurança e protecção da saúde dos trabalhadores, mas tam- bém de tomar efectivas medidas de controlo da sua aplicação e repressão da respectiva violação. Incumbe ao Estado não só disciplinar a organização da prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, como dotar-se de serviços e adoptar procedimentos capazes de tornar aquelas medidas de protecção efectivas. E também pode assentir-se que o direito de mera ordenação social é, no nosso ordenamento, o ins trumento de eleição para assegurar a tutela repressiva da generalidade das infracções a comandos deste tipo. Mas só pode falar-se em deficit de protecção constitucionalmente censurável perante conteúdos de protecção
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