TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

159 ACÓRDÃO N.º 195/10 Apresenta um conjunto de singularidades, naturalmente decorrentes do papel que desempenha na or- dem jurídico-constitucional, tais como merecer tratamento em título autónomo da Constituição (Título VI); ser a própria Constituição a especificar, no essencial, a sua competência (artigo 223.º), a estabelecer a sua composição (artigo 222.º, n. os 1 e 2); ser o seu presidente membro do Conselho de Estado [artigo 142.º, alínea c) ]; ser a sua organização, funcionamento e processo, matéria da reserva absoluta de competência da Assembleia da República, que, além disso, deve revestir a forma de lei orgânica [artigos 164.º, alínea c) , 166.º, n.º 2]. Atendendo à sua específica função, o Tribunal Constitucional apresenta-se “separado, no seu enquadra- mento orgânico, dos restantes tribunais” (Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal , 3.ª edição, Coimbra, 2007, p. 15). «Ele escapa – acrescenta o mesmo Autor ( ob. cit ., p. 23) – ao «sistema» ou «sub-sistema judiciário» (à «organização dos tribunais»), pois que antes verdadeiramente se perfila como um sub-sistema a se , no quadro do sistema político global: a Constituição, de facto, ao autonomizá-lo em título próprio (o Título VI) da sua Parte III (relativa à «Organização do poder político»), não o trata simplesmente como uma outra ordem de jurisdição, ao lado ou em paralelo com as restantes ( v. g., a jurisdição comum e a jurisdição administrativa), mas como um outro “órgão de soberania”, a par (ou para além dos classicamente enunciados (…)». Nesta linha, há quem sustente que o Tribunal Constitucional, embora seja um tribunal em sentido verdadeiro e próprio, não é um tribunal como os outros, nem é apenas um tribunal, sendo um “órgão cons- titucional autónomo de regulação do processo político-constitucional” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , p. 834). 12. A questão de constitucionalidade que dos presentes autos emerge, com apelo à competência do Tribunal em matéria de “fiscalização concreta da constitucionalidade” (artigo 280.º da CRP), suscita, pela configuração do seu objecto, uma avaliação sobre a natureza e o modo de ser operativo do controlo concreto ou incidental, no âmbito do processo em que decorre. O recurso de constitucionalidade a decidir postula, na verdade, uma tomada de posição reflexiva, sobre si próprio, quanto à forma como este tipo de recursos se posiciona em relação ao processo que o motivou e à forma como a decisão que sobre ele recaia se projecta na decisão do “feito submetido a julgamento”. Em causa está, concretamente, a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de conside­ rar que a pendência de uma questão de constitucionalidade no Tribunal Constitucional constitui “pendência de sentença a proferir por tribunal não penal”, obstativa da continuação do procedimento criminal, e, como tal, causa de suspensão do decurso da prescrição. Sem poder sindicar – frise-se mais uma vez – a bondade desta interpretação, no plano do direito or- dinário, ao Tribunal Constitucional cabe apenas ajuizar se ela é compatível com o tratamento que a Cons­ tituição dá ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e ao papel que lhe reserva, na ordem jurídico-constitucional. 13. O sistema português de controlo de constitucionalidade é único no panorama europeu. É um siste- ma complexo que, de forma singular, combina a existência de um tribunal constitucional com competências separadas em matéria de fiscalização de constitucionalidade (próprio do modelo Kelseniano europeu), com o modelo da judicial review , que atribui essa competência à generalidade dos tribunais (modelo americano). No sistema português de fiscalização concreta, todos e cada um dos tribunais têm competência para conhecer e decidir as questões de constitucionalidade, apreciando a conformidade com a Constituição das normas que hajam de aplicar e devendo recusar a aplicação daquelas que considerem inconstitucionais (ar- tigo 204.º da Constituição). Simplesmente, as decisões dos tribunais em matéria de constitucionalidade não são definitivas, delas cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos previstos nos artigos 280.º da Constituição e 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

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