TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
161 ACÓRDÃO N.º 195/10 assim delimitado, não pode perder-se de vista que a qualificação do Tribunal Constitucional, como sendo ou não de natureza não penal, não pode ser encarada isoladamente e com abstracção do ponto de vista relevante para a determinação do efeito estatuído pela norma em que o segmento se insere. Essa qualificação não pode ser desligada do contexto normativo que funcionalmente a requere, pois está presa ao preenchimento das condições materialmente justificativas do efeito que a norma produz: a suspensão da prescrição do procedimento criminal. Deste ângulo de impostação da questão, a natureza do Tribunal é um mero predicado qualificativo da sentença por ele emitida, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. É a qualificação da sentença que verdadeiramente importa, e importa para determinar se a sua falta é geradora da situação que substancialmente justifica a suspensão da prescrição: a impossibilidade legal de o procedimento criminal se iniciar ou continuar. Na verdade, o segmento normativo em questão não vale por si, mas como causa − uma das três causas possíveis − da fattispecie desencadeadora do efeito suspensivo. Essa ligação de sentido não pode ser desfeita por uma valoração da natureza do Tribunal abstractizante dos concretos efeitos desta qualificação que, no caso, se traduzem na qualificação do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade como situação impeditiva do fluir da acção penal. Essa qualificação consti- tui o verdadeiro nó problemático da questão de constitucionalidade posta, que, assim, se vem a traduzir na avaliação da sua compatibilidade com o figurino que a Constituição dá ao recurso de constitucionalidade. A perspectiva funcionalmente adequada à natureza da questão a decidir não é, pois, uma perspectiva organizatória, de atendimento da posição do Tribunal Constitucional na cartografia do conjunto dos tribu- nais judiciais. Dessa perspectiva, é inquestionável que o Tribunal Constitucional é, não só “um tribunal não penal”, mas um tribunal separado e diferente de todos os demais, como já foi dito. Mas, se a questão é saber se a pendência do recurso de constitucionalidade “impede a continuação do procedimento criminal”, constituindo, por isso, fundamento de suspensão do prazo de prescrição, não é essa a perspectiva ajustada, mas antes uma que privilegie a caracterização funcional e processual daquele recurso, na ordem jurídico-constitucional portuguesa. 15. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (e de certas formas de ilegalidade) pode ser interposto de decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento na sua incons- titucionalidade, que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, ou que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional ou pela Comissão Constitucional (artigo 280.º, n. os 1 e 5). É este recurso que abre, aos cidadãos em geral, a possibilidade de acesso ao Tribunal Constitucional, pois não há recurso directo de inconstitucionalidade. Na fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional só intervém a título incidental, enquanto instância de recurso das decisões de outros tribunais (proémio do n.º 1 do artigo 280.º da CRP). O juízo de constitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional no recurso de fiscalização concreta só tem efeitos no caso concreto (salvo os efeitos indirectos referidos no artigo 280.º, n.º 5, e 281.º, n.º 3). Ou seja, só tem efeitos na decisão recorrida, proferida pelo tribunal a quo , que ficará obrigado a refor- mar essa decisão na parte respeitante à questão de constitucionalidade para a conformar, quando necessário, com aquele juízo de constitucionalidade (o tribunal recorrido ou qualquer outro tribunal que intervenha em recurso naquele processo não pode deixar de recusar a aplicação de norma que o Tribunal Constitucional tenha julgado inconstitucional; assim como não pode desaplicar norma que o Tribunal Constitucional tenha julgado não inconstitucional). É certo que o recurso de constitucionalidade apenas tem por objecto a questão de constitucionalidade e não a questão de fundo discutida em juízo (artigo 280.º, n.º 6, da CRP). Neste sentido, a questão de constitucionalidade aparece destacada (separada) do litígio de onde emerge. Mas essa separação – que, no fundo, corresponde à separação de competências entre o Tribunal Constitucional e o tribunal da causa – não permite dizer que o recurso de constitucionalidade é estranho ao processo que lhe deu origem.
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