TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Pelo contrário, como salientam Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit ., p. 1029, os «recursos de con- stitucionalidade (ou de ilegalidade) estão incindivelmente ligados aos processos que lhes deram origem. Eles são recursos instrumentais em relação à decisão da causa em que o incidente de constitucionalidade (ou de ilegalidade) surgiu». Por isso, as vicissitudes do processo originário reflectem-se no recurso de constituciona- lidade podendo, por exemplo, conduzir à sua inutilidade superveniente. O Tribunal Constitucional já afirmou que o recurso de constitucionalidade nem sequer tem a natureza de um recurso extraordinário. Como se escreveu no Acórdão n.º 1166/96, «o recurso de constitucionalidade, no domínio da fiscalização concreta (artigo 280.º da Constituição; artigo 70.º da Lei do Tribunal Consti- tucional), não pode qualificar-se como uma modalidade de recurso extraordinário. De facto, e nos termos da sua regulamentação constitucional e legal, ele tem de ser interposto no prazo legal, antes do trânsito em julgado da decisão recorrida. Por outro lado, sendo o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 223.º da Constituição, “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”, daí decorre que o mesmo não é um “corpo estranho”, com uma diferente natureza, no conjunto dos tribunais das diferentes ordens, razão por que a própria Constituição tem o cuidado de ressalvar as suas competências quando se refere á posição hierárquica do Supremo Tribunal de Justiça na ordem dos tribunais judiciais: “o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional” (artigo 212.º, n.º 1). E o mesmo vale para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), na respectiva ordem, como decorre do artigo 214.º, n.º 1, da Constituição. (…) Acresce que a circunstância de a decisão do Tribunal Constitucional ter, no caso de o recurso de constitucionalidade ser procedente, uma mera eficácia revogatória (artigo 8.º, n. os 1 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional) não implica a natureza “extraordinária” daquele recurso. De facto, nem sempre as decisões dos Tribunais superiores se substituem às dos tribunais hierarquicamente subordinados, estando previstos casos no processo civil em que, sem haver anulação da decisão recorrida, se ordena que a mesma seja reformada pelo tribunal a quo (bastará recordar, como exemplo, o previsto nos artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).» Com base, além do mais, nas considerações transcritas, o Acórdão n.º 1166/96 decidiu «julgar inconsti- tucional a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 214.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que ocorre o trânsito em julgado, embora sujeito a condição resolutiva, logo que é proferida decisão con- denatória pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao conhecer do mérito do recurso interposto do tribunal colec- tivo ou de júri, quando dessa decisão haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, admitido com efeito suspensivo, por violação das normas dos artigos 223.º, 225.º, n.º 1, e 280.º, n. os 1 e 6, conjugados com a parte final do n.º 1 do artigo 212.º, 28.º, n.º 4 e 32.º, n.º 2, todos da Constituição.» Em suma, a questão de constitucionalidade, sendo separável da questão de fundo, não deixa de consti- tuir um «elemento da questão a decidir no “feito submetido a julgamento”», que não é «exterior nem jurídica ou processualmente autónoma do “feito submetido a julgamento”» (nas palavras de um dos votos de vencido apostos no acórdão recorrido). As considerações expostas levam a concluir que o legislador constitucional desenhou o recurso constitu- cional como um mecanismo incidental, enxertado num concreto processo judicial, para permitir o controlo último, pelo Tribunal Constitucional, da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, inicial- mente atribuída, de forma difusa, a todo e qualquer tribunal. Assim, o recurso de constitucionalidade é um incidente do próprio processo judicial, penal ou outro, correspondendo a mais uma das suas fases. E a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso de constitucionalidade não é uma questão “estranha” à questão de fundo. E tanto não é que, se o for, não estarão reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso. Forçoso é, por isso, concluir que, da natureza e regime constitucional do recurso de constitucionalidade não se lhe pode extrair o efeito que lhe é assacado pela interpretação normativa em apreço, isto é, não pode dizer-se que o recurso de constitucionalidade, por si, obsta necessariamente ao prosseguimento do procedi- mento criminal.

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