TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Do mérito do recurso 2.1. A evolução legislativa Apesar da regra ser a caducidade do contrato de arrendamento de prédio urbano, para habitação, no caso de morte do arrendatário, o legislador, atendendo a que o agregado familiar deste é quase sempre bene ficiário desse contrato e, muitas vezes, comparticipa até na satisfação da respectiva contraprestação, vem, desde há bastante tempo, a admitir a transmissão por morte da posição contratual do inquilino para os elementos desse núcleo familiar. No Código de Seabra, a regra era a transmissão sucessória da posição de arrendatário (artigo 1619.º). Com a I Grande Guerra surgiu a necessidade de garantir a conservação da casa de habitação não só aos mobilizados e suas famílias, como a todos os afectados pela grave crise económica resultante daquele conflito mundial, tendo sido implementadas medidas legislativas proteccionistas dos arrendatários. Assim, após inicialmente o Decreto n.º 1079, de 23 de Novembro de 1914, “destinado a vigorar en- quanto subsistir a crise que o motiva” (artigo 6.º), ter limitado os aumentos de renda na renovação dos con- tratos (artigos 1.º e 2.º), a Lei n.º 828, de 28 de Setembro de 1917, aprovada para vigorar “enquanto durar o estado de guerra e até seis meses depois de assinado o tratado de paz” (artigo 9.º), proibiu os senhorios de “intentarem acções de despejo que se fundem em não convir-lhes o contrato de arrendamento” (artigo 2.º), consagrando deste modo a imposição da automática prorrogação legal dos arrendamentos, medida que apesar de ter sido adoptada com um cunho transitório, havia de marcar este tipo contratual durante quase todo o século XX. Perante a inoperância dos prazos acordados pelas partes para o termo dos contratos de arrendamento urbanos, se a regra da transmissão, por sucessão, da posição do arrendatário ainda se manteve no regime aprovado pelo Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919 (artigo 34.º), já a Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924 (artigo 1.º, §§ 1.º e 3.º), apenas admitiu essa transmissão para o cônjuge do arrendatário ou parente legitimário que com ele habitasse no arrendado há mais de 6 meses na data da sua morte, de modo a evitar a duração infinita dos contratos de arrendamento, assegurada por sucessivas transmissões sucessórias da posição do arrendatário, sem quaisquer limitações. Após discussão acesa no domínio desta legislação sobre o número de vezes que se podia transmitir o mesmo arrendamento, por morte do inquilino (vide apontamentos sobre esta discussão, em Pinto Loureiro, “Tratado da Locação”, pp. 170-173, do II vol., edição de 1947, da Coimbra Editora) o artigo 46.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, veio admitir uma única transmissão a favor do cônjuge do primitivo ar- rendatário, dos seus ascendentes ou descendentes que com ele vivessem há um ano, e apenas permitiu, excep- cionalmente, uma segunda transmissão a favor dos ascendentes ou descendentes do primitivo arrendatário, quando tivesse existido uma primeira transmissão a favor do cônjuge sobrevivo do primeiro arrendatário. Como opinou a então Câmara Corporativa “não pode aceitar-se a solução de criar à volta do arrendamento, e à custa alheia, uma verdadeira instituição vincular ”, havendo razões “para limitar um regime odioso que, segundo certos entendimentos, parece transformar o arrendamento, à custa do senhorio, num vínculo per- pétuo em benefício da família do arrendatário”. Em 1966, o Código Civil, no artigo 1111.º, que passou a regular esta matéria, veio ampliar a possi- bilidade de transmissão da posição de arrendatário para todos os parentes ou afins na linha recta, além do cônjuge, desde que com ele vivessem no arrendado há, pelo menos, um ano. O Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho, passou a não limitar o número de transmissões possíveis, eliminando do artigo 1111.º o termo “primitivo”, pelo que a morte de qualquer arrendatário, sendo ou não já ele um transmissário do arrendamento, originava nova e ilimitada transmissão da posição contratual. O Decreto-Lei n.º 328/81, de 4 de Dezembro, veio repor o regime anterior, reintroduzindo o termo “primitivo” no artigo 1111.º, o que foi mantido pela Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, que acrescentou à classe dos transmissários a pessoa unida de facto ao primitivo arrendatário, que com ele vivesse há mais de 5 anos.
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