TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

175 ACÓRDÃO N.º 196/10 rendado há mais de um ano, à data da sua morte, passou a exigir que essa convivência se desenrolasse numa situação de economia comum; o artigo 57.º do NRAU, aplicável aos contratos anteriores à sua entrada em vigor, apenas admitiu a transmissão do arrendamento para filho do arrendatário com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e fosse menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequentasse o 11.° ou 12.° ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior, ou que fosse portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, pelo que, relati­ vamente ao regime do RAU, restringiu a possibilidade de transmissão do arrendamento para os descendentes do arrendatário. 2.2. A questão de constitucionalidade A decisão recorrida aplicou neste caso o regime mais restritivo do artigo 57.º do NRAU, seguindo o critério de que é aplicável o regime que vigorar na data da morte do arrendatário e tendo presente a norma transitória estabelecida no artigo 26.º do NRAU, não admitindo, assim, a transmissão de um arrendamento para um filho do arrendatário maior de 26 anos e sem qualquer incapacidade, por morte do arrendatário ocorrida após o NRAU ter entrado em vigor. O recorrente acusa a aplicação do artigo 57.º do NRAU, nestas condições, de violar, por um lado, o princípio da igualdade, face ao regime do artigo 1106.º do CC, e por outro, o princípio da confiança, tendo em conta as expectativas criadas pelo anterior regime estabelecido no artigo 85.º do RAU. O recorrente invoca ainda, como parâmetro constitucional violado pela interpretação normativa ques­ tionada, o disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo certamente referir-se à proibição de retroactividade das leis restritivas dos direitos liberdades e garantias contida no n.º 3 deste artigo. 2.3. A proibição de retroactividade das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias O artigo 18.º, n.º 3, da CRP, proíbe que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II, da Parte I, da Constituição, e dos direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17.º da CRP), tenham efeito retroactivo. Um dos direitos fundamentais de natureza análoga que vem sendo apontado por este Tribunal é o di­ reito à propriedade privada, constante do artigo 62.º da CRP. O conceito constitucional de propriedade não corresponde ao civilístico, abrangendo não só o direito real pleno, mas também os mais diversos direitos subjectivos de valor patrimonial, incluindo os direitos de crédito, designadamente o direito ao arrendamento (vide, neste sentido, Bacelar Gouveia, em “Arrendamento urbano, Constituição e justiça. Perspectivas de direito constitucional e direito processual”, pp. 47-49, edição de 2004, da O espírito das leis, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/95, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 31.º Vol., p. 305), o qual, quando contraposto ao direito de propriedade do senhorio, exigiria a conciliação de dois direitos de propriedade concorrentes (cfr. Sousa Ribeiro, em “O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Relatório elaborado no âmbito da Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal, realizada em 8 a 10 de Outubro de 2009 , acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Contudo, o direito constitucional à propriedade privada não beneficia do regime dos direitos, liberda­ des e garantias, nomeadamente das limitações impostas às leis restritivas pelo artigo 18.º da CRP, em toda a sua extensão, mas apenas no seu núcleo essencial, onde se revela a analogia com aquela categoria consti­ tucional. Ora, se o Tribunal Constitucional já afirmou que a liberdade genérica de transmissão do direito de pro­ priedade, sem condicionamentos, não constitui uma dimensão do direito de propriedade à qual se aplique o regime dos direitos, liberdades e garantias (Acórdãos n.º 187/01, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º Vol., p. 29, e n.º 425/00, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 48.º Vol., p. 255), seguramente que a

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