TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL transmissão por morte de um direito de gozo com um cunho pessoal tão acentuado como é o do arrendatário habitacional, está fora do núcleo essencial de protecção do direito fundamental à propriedade privada, não sendo equiparável à categoria dos direitos, liberdades e garantias. Além disso sempre seria questionável o efeito retroactivo da norma em causa, uma vez que estamos perante um caso de retrospectividade. Assim sendo, nunca a interpretação normativa sindicada poderia estar sob o alcance da proibição con- tida no artigo 18.º, n.º 3, da CRP. 2.4. O princípio da igualdade Conforme acima já se constatou o NRAU consagrou dois regimes de transmissão do arrendamento habitacional por morte do arrendatário. Um aplicável aos contratos celebrados que são posteriores à sua entrada em vigor e que consta da nova redacção do artigo 1106.º do CC, e outro, transitório, constante do artigo 57.º do NRAU, aplicável aos contratos anteriormente celebrados. Este último regime é mais restritivo, relativamente à admissibilidade da transmissão do arrendamento, do que aquele que é aplicável aos novos contratos de arrendamento, nomeadamente no que respeita à trans- missão do arrendamento para filhos maiores de 26 anos e sem qualquer incapacidade, ou com uma incapa- cidade inferior a 60%. Enquanto o artigo 1106.º do CC, apenas exige, para que se verifique a transmissão do arrendamento para um filho nessas condições, que este tenha vivido em economia comum com o progenitor arrendatário no ano anterior à morte deste, já o artigo 57.º do NRAU, não permite essa transmissão. A diferença de regimes a operar sincronicamente tem o seu fundamento na circunstância de nos novos contratos de arrendamento habitacional já não vigorar o sistema de prorrogação forçada para o senhorio do vínculo contratual, ao contrário do que sucede na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU. Enquanto nestes, com excepção dos contratos de duração limitada previstos no artigo 98.º e seguintes, do RAU, o senhorio não pode denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto essa for a vontade do arrendatário, como ocorre com o contrato de arrendamento sub judice , nos contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU, o prolon- gamento da relação contratual já não lhe pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário. Nestes novos contratos, o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado (artigo 1096.º, n.º 2, e 1097.º do CC), ou não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos [artigo 1101.º, alínea c) , do CC]. Na verdade, o alcance do direito à transmissão por morte da posição contratual do arrendatário habita- cional está intimamente conexionado com o grau de tutela conferido ao interesse na continuidade da relação contratual. Quando o senhorio deixa de estar sujeito à perduração indefinida do contrato, perdem “sentido todos os resguardos e limitações que rodeavam o direito à transmissão com vista a atenuar o impacto negativo que ela ocasionava nos interesses do senhorio” (Sousa Ribeiro, na ob. cit., pp. 764-765). Por isso existe uma diferença decisiva no regime da generalidade dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, relativamente àquele que disciplina os contratos posteriormente outorgados, que fundamenta e justifica as diferenças de tratamento jurídico da admissibilidade da transmissão por morte da posição do arrendatário consagradas no artigo 1106.º do CC, para os novos contratos, e no artigo 57.º do NRAU, para os contratos pré-existentes. Essa diferença já não se descortina entre os contratos de duração limitada celebrados na vigência do RAU e os novos contratos celebrados ao abrigo do NRAU, mas isso é uma questão que não releva para a decisão do pre- sente recurso, uma vez que o contrato aqui em causa é um contrato sujeito ao regime da renovação obrigatória. Ora, como ensinam J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, p. 399, da 4.ª edição, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que «(...) a vinculação jurídico-material do legislador

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