TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
177 ACÓRDÃO N.º 196/10 ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionar- iedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.» Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual sincrónico apontado pelo Recorrente, não se pode considerar que essa distinção viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP. 2.5. O princípio da confiança O recorrente também acusa a interpretação normativa impugnada de não ter respeitado o princípio da confiança ínsito ao Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP, uma vez que com a sua aplicação foram defraudadas as expectativas que lhe foram criadas pelo regime estabelecido no RAU e que foram determinantes para a sua permanência no arrendado. Efectivamente, como acima se verificou, o RAU (artigo 85.º) permitia a transmissão do arrendamento, por morte do arrendatário, para os descendentes que vivessem com este em economia comum há mais de um ano, independentemente da sua idade e da verificação de qualquer situação de incapacidade. O NRAU (artigo 57.º) alterou este regime, passando a não permitir, nos contratos que lhe são anteri- ores, a transmissão do arrendamento para os descendentes maiores de 26 anos que não sofram de qualquer incapacidade ou que tenham uma incapacidade inferior a 60%. Com esta modificação visou-se limitar a transmissão do arrendamento para os descendentes que con- vivessem com o arrendatário em economia comum apenas àqueles que, presumivelmente, atenta a sua idade ou grau de incapacidade, vivessem numa situação de dependência económica do transmitente. Com esta limitação acentuou-se o cariz social da transmissibilidade da posição de arrendatário, assegurando-a somente aos descendentes que, em princípio, terão dificuldade económica em aceder ao gozo de uma habitação segundoas regras actuais do mercado. Nos restantes casos, entendeu-se que a mera convivência com o arren- datário falecido no locado não era suficiente para se sacrificarem não só os interesses do senhorio no termo de um contrato sujeito a um regime severamente vinculístico, mas também o interesse público de ampliação do mercado de arrendamento. Como neste caso a morte da arrendatária ocorreu em 29 de Novembro de 2007, ou seja posteriormente à data da entrada em vigor do NRAU, em 27 de Junho de 2006, a decisão recorrida, socorrendo-se do crité- rio que a transmissão do arrendamento em caso de morte do arrendatário é regulada pela lei vigente à data da morte, aplicou o disposto no artigo 57.º deste diploma, não reconhecendo ao réu, filho da arrendatária, mas maior de 26 anos e sem qualquer incapacidade, o direito a ingressar na posição contratual da sua mãe, apesar deste alegar que vivia com ela há mais de um ano, em economia comum. Tem sido entendido que os preceitos que desde o princípio do século XX estabelecem as regras do ar- rendamento de prédios urbanos, vêm consagrando um regime de severas limitações à liberdade contratual, impondo importantes restrições e vínculos à autonomia da vontade privada, de modo a assegurar uma política de justiça social. Neste domínio as partes não são encaradas pela lei como contraentes, mas enquanto membros de uma determinado grupo social (inquilinos e senhorios), cujos interesses, pela sua relevância na dinâmica da sociedade, importa reger em abstracto, independentemente do acto que deu origem à situação em concreto. É este carácter público e de forte incidência político-social da legislação sobre o contrato de ar- rendamento que exige que também ele seja encarado ao lado de institutos onde a vontade das partes cede pe- rante os interesses comunitários, sendo por isso a lei nova de aplicação imediata aos contratos pré-existentes. Nesta linha e tendo ainda presente que os interessados na transmissão do arrendamento não intervieram na outorga do respectivo contrato, tem sido aplicado uniformemente pela jurisprudência o critério de que o regime da transmissão por morte da posição do arrendatário é o definido pela lei que está em vigor à data
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