TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do evento que determina essa transmissão – o óbito do arrendatário – e não pela lei que vigorava na data em que foi celebrado o contrato. O recorrente fundamenta a existência das expectativas que teriam sido afectadas pela aplicação do re- gime previsto no artigo 57.º do NRAU, no facto da lei que estava em vigor quando ele vivia no arrendado com a mãe lhe assegurar a transmissão do arrendamento, caso a sua mãe viesse a falecer, o que, inclusive, teria pesado na sua decisão de permanecer no arrendado. OTribunal Constitucional tem dito que a afectação de expectativas legítimas resultantes duma alteração legislativa só é inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar, não sendo a mesma ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. Nesta situação, a incerteza do momento da morte, aliada ao facto das condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência com o arrendatário no ano anterior à sua morte) não permite de modo algum que se reconheça como legítima qualquer expectativa de transmissão do arrendamento alicer- çada apenas num juízo de prognose que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e de direito até à data da morte do arrendatário. Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem fundamento a constituição anterior de qualquer posição de con fiança merecedora de protecção. Na época em que o recorrente viveu com a mãe no arrendado, durante a vigência do RAU, a ordem jurídica não lhe permitiu, num juízo de razoabilidade, a formação de qualquer expectativa legítima de que ele iria suceder na posição de arrendatário que pudesse limitar a aplicação de qualquer alteração legislativa nesse domínio, ocorrida antes do óbito da mãe, no sentido de não admitir essa sucessão. O recorrente podia depositar esperanças ou até expectativas de natureza política, de que nunca tendo o legislador limitado a transmissão do arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário no período anterior à sua morte, nomeadamente em função da idade ou do grau de incapacidade, essa orien tação legislativa não viesse a ser tomada. Mas esses sentimentos ou convicções não têm relevância jurídica e não podem pesar na delimitação da área de liberdade de conformação do legislador. Daí que também não se mostre violado pela interpretação normativa sindicada o princípio da confiança, como emanação da ideia de Estado de direito democrático. 2.6. Conclusão Não se revelando que a interpretação normativa questionada viole qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente. III — Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por B. do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação de Évora em 28 de Outubro de 2009. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios refe- ridos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma). Lisboa, 12 de Maio de 2010. – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Benjamim Rodrigues – Rui Manuel Moura Ramos. Anotação: Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Junho de 2010.
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