TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

197 ACÓRDÃO N.º 202/10 É sabido que o recurso assim previsto tem uma característica especial, pois apenas suporta como seu objecto as normas jurídicas que integram a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, as normas que o tribunal recorrido aplicou como razão essencial da decisão que proferiu. Está, por isso, fora do âmbito deste recurso não só a decisão propriamente dita, a determinação jurídica enunciada pelo tribunal como solução da causa, mas também os juízos característicos da pronúncia jurisdicional que se concretizam na selecção da matéria de facto e sua valoração, na escolha do direito aplicável e na interpretação das normas assim mobi- lizadas. Por outro lado, exigindo-se que a decisão da questão de inconstitucionalidade se reflicta sobre uma norma jurídica, de tal forma que um triplo julgamento de desconformidade constitucional habilita o Tribu- nal a erradicar essa norma do ordenamento jurídico, nos termos previstos no artigo 82.º da LTC, é de aceitar que a referida questão de inconstitucionalidade deve incidir sobre uma disposição jurídica formal, concreta e identificada, de natureza normativa. Cabendo ao recorrente, conforme o Tribunal tem desde sempre feito notar, a tarefa de enunciar a norma que é objecto do recurso, é a ele que compete circunscrever o respectivo âmbito, por forma a que o Tribunal possa, precisamente, identificar a norma que o tribunal recorrido extraiu de um dado diploma jurídico e fez aplicar decisivamente na solução perfilhada, confrontando esse critério com a Constituição e avaliando a sua conformidade com as regras e princípios nela contidos. Não é, assim, possível, invocar, para este efeito, enunciados pretensamente retirados de um conjunto de disposições legais tão díspares que se revelem descaracterizadores da individualidade própria da specie que, no direito constitucional português, se chama «norma jurídica». A invocação de tais complexos normativos disfarça, em boa medida, o propósito de ver sindicada a própria decisão tomada pelo tribunal a quo , e o certo é que, sendo irredutíveis a um preciso critério adoptado pelo legislador, não apresentam a natureza normativa que é exigida para efeito de poderem ser fiscalizados pelo Tribunal Constitucional. 5. Estão manifestamente neste caso os enunciados oferecidos como objecto do presente recurso pelo recorrente. Com efeito: Ao definir como objecto do recurso algo como «I. Os artigos 172.º, n. os 1, 2 e 4, 168.º, n.º 5, 174.º, n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, com as alterações que lhe foram feitas, designadamente, pela Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto), 133.º, n. os 1 e 2, d) e h), 135.º do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novem- bro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro), 6.º, n.º 1, e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 26.º da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)», que em «interpretação explícita ou implícita», leve ao não conhecimento das questões de facto por parte de tribunal que julga em única instância ordinária, constitui, quando muito, uma crítica formulada à decisão, na parte em que nela se argumenta sobre os limites dos poderes de conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, neste tipo de recursos. Na verdade, o tribunal recorrido dissertou longamente sobre essa matéria, conforme se pode ler no texto supra transcrito. Mas tais considerações, de carácter genérico e introdutório,não revelam com absoluta segurança qual o critério normativo efectivamente apli- cado na apreciação concreta das questões submetidas ao seu julgamento, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça se teve por competente para, em certos casos, «apreciar e censurar a omissão de diligências no processo disciplinar que se revelem necessárias e úteis», assim como para «anular a decisão recorrida, se for caso disso, para que aquele órgão realize, ou mande realizar, algum acto de instrução do procedimento e a subsequente reapreciação do caso», para além dos «casos em que se revela que [a matéria de facto] enferma de erro crasso, grosseiro, supino, denotando que o CSM a este sucumbiu e para estabelecer a harmonia interna no decidido, a coerência entre as premissas e a decisão, atropelando regras e os princípios funda- mentais e incontornáveis de direito supracitados.» Ora, para além da incongruência formal que resulta da inclusão, no complexo normativo pretensamente inconstitucional invocado pelo recorrente, de normas da própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a verdade é que não é possível retirar, com a indi- vidualidade e a suficiência exigidasa critérios jurídico-normativos, uma determinação precisa que possa ser entendida como uma norma.

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