TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 16. Importa, antes do mais, atender à própria essência da figura do impedimento, que consiste em inibir o juiz de intervir quando em relação a ele se verifica causa objectiva susceptível de afectar a isenção do seu julgamento. 17. Não está em causa um mero dever deontológico do juiz, mas a própria administração da justiça, no que tem de mais sério: o tribunal deve ser um templo do direito, onde apenas este impere: se ocorre uma circunstância susceptível de afectar este primado, é a própria Justiça que é prejudicada. 18. Daqui que o legislador tenha optado por impor uma espada de Dâmocles sobre o processado pelo Juiz impedido: se o juiz se não declarar voluntariamente impedido, qualquer das partes pode requerer a declaração de impedimento. 19. Por este motivo, não colhe a objecção de Alberto dos Reis à posição de Palma Carlos, no Comentário ao CPC, 1, p. 419: a omissão da declaração de impedimento pelo juiz não é apenas a falta de prática de um acto que a lei prescreve: é-o também decerto. Mas a necessidade do acto justifica-se nos interesses do exercício da jurisdição e não nos princípios subjacentes à tramitação processual. 20. Não é, pois, razoável o entendimento de que os actos praticados pelo juiz antes da declaração de impedi­ mento possam salvar-se. 21. Bem pelo contrário, não se vê como possam salvar-se, pelo menos, os actos praticados por juiz impedido e que tenham influência no conhecimento ou na decisão da causa. 22. Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, a prática de um acto que a lei não admita produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 23. Donde, mesmo que se adira à tese de Alberto dos Reis de não considerar nulos os actos do juiz afectado de impedimento enquanto este não é declarado, se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa verifica-se a ocorrência de uma nulidade processual. 24. Como certeiramente discreteia José Lebre de Freitas (CPC Anot., vol. 1.º, p. 226), “afigura-se que a pedra de toque da questão não é o acto praticado pelo juiz impedido, mas a omissão da declaração de impedimento imposta por lei logo que objectivamente se verifique qualquer das situações em apreço. Esta omissão é geradora de nulidade, nos termos do art. 201-1, sempre que se verifique também o requisito da respectiva parte final, ou seja, quando considerados os actos entretanto praticados, possa influir no exame ou na decisão da causa. Afirma-o como regra Teixeira de Sousa, A competência cit., pq. 27”– vd., t.b., Palma Carlos, CPC Anot., 1, pg. 92. 25. Ora, a intervenção do Senhor Conselheiro Cadilha na prolação do acórdão, apesar da situação legal de impedimento, pode e deve ser juridicamente qualificada como sendo susceptível de influir no exame e na decisão da causa. 26. Sendo certo que, de acordo com o n.º 1 do art. 201.º do CPC, basta a simples possibilidade de influência no exame ou decisão da causa para que a irregularidade cometida constitua uma nulidade processual. 27. Talvez se possa aplicar ao contencioso a máxima de Clausewitz, entendendo que ele é a negociação por outros meios: mas, tal como não faz sentido que se coloquem diplomatas em posições militares no campo de batalha, também não é compreensível que se considere não poder ter influência no exame ou na decisão da causa a circunstância de ser o mesmo juiz a apreciar, em recurso, a decisão recorrida. 28. Sobretudo, quando, como é o caso, a decisão é proferida por esse magistrado em substituição do primitivo relator que ficou vencido. 29. Estando impedido, como efectivamente estava, o Senhor Conselheiro Cadilha não poderia exercer as funções de relator, devendo ser substituído, enquanto primeiro juiz adjunto, nos termos do n.º 2 do art. 711.º do CPC. 30. O que, entre o mais, implicava a consequência de não poder exercer o voto de desempate no caso de não se formar maioria – art. 709.º, n.º 5, CPC. 31. De resto, tenha-se presente que esta questão não pode deixar de ser vista sob a perspectiva do direito fun­ damental a um processo equitativo, tal como este direito vem consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH). 32. Com efeito, no art. 6.º, § 1, da CEDH estatui-se que “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial.”

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