TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
207 ACÓRDÃO N.º 207/10 despacho do relator), o aresto recorrido acaba por decidir sobre nulidades “reflectidas” no primeiro acórdão do Supremo, é inegável que o segundo acórdão do Supremo constitui uma decisão autónoma do primeiro, que neste se não integra por consistir no indeferimento das nulidades processuais invocadas, e não no seu deferimento (artigo 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Pode, pois, afirmar-se que o juiz alegadamente impedido não foi o autor nem participou, por qualquer outra forma, na prolação da decisão recorrida. 6. Mas isso não basta para decidir a arguição de impedimento. Deve ainda ser ponderado se, da inter venção que o Juiz Conselheiro Carlos Cadilha teve no processo, como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, deve concluir-se que tomou posição sobre a questão suscitada no recurso, o que implicaria o seu impedi mento por força da segunda parte da norma em apreço. Saber o que deve entender-se, para este efeito, por “tomar posição” é problema cuja solução ganha em ser perspectivada à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que tem adoptado uma metodologia que se traduz na análise das particularidades de cada caso para, em função destas, decidir se se mostra violado o artigo 6.º, § 1, da Convenção Europeia que garante o direito a um tribunal independente e imparcial. Nesta perspectiva, o TEDH vem há muito definindo na sua jurisprudência, relativamente à impar cialidade garantida no referido artigo 6.º, § 1, da Convenção, que esta tem que ser vista de dois modos. A imparcialidade subjectiva, que se presume até prova em contrário (cfr. Acórdão Piersack, de 1 de Outubro de 1982, § 30, disponível, como os demais citados, em: http://www.echr.coe.int/echr/Homepage_EN ) , é uma garantia insuficiente; “necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must also be seen to be done ” (cfr. I reneu Barreto, “Notas para um Processo Equitativo”, in Documentação e Direito Comparado , p. 114). No sentido de preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, deve ser recusado todo o juiz impossibilitado de garantir uma total imparcialidade. Como refere Ireneu Barreto ( A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada , 3.ª edição, p. 155, e acórdãos do TEDH ali referidos) “[A] imparcialidade é posta em causa face a índices diversos, como, por exemplo, quando um ou mais membros do tribunal desempenharam ao longo de um processo outras funções”, que é a hipótese que agora interessa. Assim: – No caso Piersack, o TEDH constatou falta de imparcialidade de uma Cour d’Assises presidida por quem tinha desempenhado antes funções de Ministério Público, como chefe do departamento que se encarregara da instrução do processo, embora sem qualquer intervenção directa. – No caso De Cubber (acórdão de 26 de Outubro de 1984, § 29) o Tribunal entendeu incompatíveis as funções de juiz de instrução com as de juiz de julgamento, fundamentalmente porque o juiz de instrução adquire um conhecimento do processo anterior aos dos seus colegas e, por isso, pode ter já formado uma opinião prévia a pesar eventualmente na balança no momento da decisão. – No caso Oberschlick, o Tribunal entendeu violar este preceito o facto de um mesmo magistrado de um tribunal de recurso ter tido intervenção, por duas vezes, no mesmo processo (acórdão de 23 de Maio de 1991, §§ 50-51). Como nos dá conta o mesmo autor ( A Convenção Europeia , cit. p. 157), o TEDH concede importância à “teoria das aparências”, admitindo que o elemento determinante consiste em saber se as apreensões do inte ressado podem passar por objectivamente justificadas (cfr. acórdãos Hauschildt , de 24 de Maio de 1989, § 48; Fey , de 24 de Fevereiro de 1993, § 12; Saraiva de Carvalho , de 22 de Abril de 1994, § 35, entre outros). Assim, por exemplo, elas não foram consideradas justificadas face a um juiz que, num processo de menores, desempenhou funções de instrução e julgou sobre o fundo (acórdão Nortier , de 24 de Agosto de 1993, §§ 33-37). Do mesmo modo, uma vez anulado, em recurso, um julgamento, o processo pode voltar
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