TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Quando se agitam os argumentos do escopo social lucrativo e da possibilidade de previsão e repercussão dos custos dos serviços de justiça no consumidor final de bens e serviços, para assim negar à partida, por desnecessidade, qualquer protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, está-se a obnubilar e a desvalorizar a situação financeira concreta da empresa que pode ser de verdadeira insuficiência económica no momento em que requer o benefício da protecção jurídica. E se as figuras de insolvência e de recuperação de empresa previstas no Código da Insolvência e da Recu­ peração de Empresas se aplicam quando qualquer devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isso não cobre todas as situações em que uma pessoa colectiva se encontra numa situa­ ção económica em que os custos do sistema de justiça a inibem de a ele recorrer. Uma sociedade comercial de pequena dimensão, sobretudo em tempos de crise económica, pode estar em situação económica difícil sem apresentar propriamente um passivo muito relevante ou mesmo sequer algum passivo conducente à declaração de insolvência, mas, contudo, necessitar da concessão de apoio judiciário para efectivar e executar os seus créditos sobre os seus devedores ou assegurar a sua defesa em processo em que é demandada. O valor actual dos custos de justiça já não é tão diminuto que estas situações não possam ocorrer, sobretudo ao nível das micro e pequenas empresas. Nestes casos é precisamente a garantia do acesso ao direito, através da concessão de apoio judiciário, que lhes poderá assegurar a desejável sobrevivência, impedindo a sua insolvência. Não se vislumbrando, pois, razões que pela sua natureza excluam as pessoas colectivas com escopo lucra­ tivo da titularidade do direito ao acesso ao sistema de justiça, com benefício de apoio judiciário, nos casos em que a sua situação económica se revele insuficiente para satisfazer os custos desse sistema, há que reconhecer que elas são titulares desse direito. Ora, a ideia de que a norma jurídica sob apreciação consubstancia uma restrição constitucionalmente admissível a este direito fundamental não pode ser minimamente sustentada neste caso pela razão evidente que o legislador ordinário não conferiu qualquer espécie de protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, tendo-lhes retirado de uma forma radical e absoluta a possibilidade de usufruírem desse direito, pelo que não estamos perante uma medida restritiva, mas sim ablativa desse direito constitucional a determi­ nados titulares, o que se traduz numa flagrante violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, in fine . Por estas razões, mantenho a posição que subscrevi no Acórdão n.º 279/09 e teria declarado a norma constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, na parte respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos, inconstitucional, por violação do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. – João Cura Mariano. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Julho de 2010. 2 – Os Acórdãos n. os 316/95, 167/99, 368/99, 106/04 e 560/04 estão publicados em Acórdãos , 31.º, 43.º, 44.º, 58.º e 60.º Vols., respectivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 279/09 e 307/09 e stão publicados em Acórdãos , 75.º Vol.

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