TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
23 ACÓRDÃO N.º 224/10 Uma coisa, no entanto, é fazer esta afirmação enquanto princípio geral; outra coisa é avaliar se tal princípio colhe ainda, perante as características peculiares de certa regulação ordinária que, em concreto, tenha que julgar-se. No caso, estamos perante normas da Lei n.º 97/88, que regula as condições de afixação e inscrição de mensagens de propaganda. Determina a lei que certos comportamentos ( v. g. inscrições em edifícios privados, em sedes de órgãos de soberania ou edifícios religioso ou em sinais de trânsito) constituam contra- ordenações, sancionáveis com coimas a aplicar pelo presidente da câmara municipal. Face ao disposto no artigo 37.º da CRP – mormente, face ao seu n.º 3 – a questão central a resolver é a de saber se, ao qualificar como contra-ordenações estes comportamentos, a lei estará verdadeiramente a in- troduzir limites ou restrições à liberdade de expressão . Não importa agora saber se esses limites ou restrições serão legítimos ou ilegítimos; o que importa é saber se, aqui, de limites ou restrições verdadeiramente se trata. Por outras palavras, o que importa é saber se inscrever mensagens de propaganda política em edifícios religiosos ou em sinais de trânsito, por exemplo, é ainda exercer a liberdade de expressão a que se refere o artigo 37.º da Constituição (como é evidente, todo ele). Não obstante o largo espectro “fáctico” que deve ser reconhecido ao campo de protecção do artigo 37.º da CRP, dou à pergunta que atrás formulei uma resposta negativa. A Lei n.º 97/88 estabelece regras mínimas de policiamento do espaço público. E fá-lo tendo em conta a necessidade de protecção de certos bens constitucionalmente tutelados, como a propriedade privada (artigo 3.º, n.º 2, da Lei; artigo 62.º da CRP), a natureza e o ambiente (artigo 3.º, n.º 2, da Lei; artigo 65.º da Constituição), a liberdade de religião e culto (artigo 4.º, n.º 2, da Lei; artigo 41.º da CRP) ou a segurança do tráfego inerente à liberdade de circulação (artigo 4.º, n.º 2, da Lei; artigo 44.º da CRP). Não está na livre disposição do legislador ordinário policiar ou deixar de policiar deste modo o espaço público. Sendo tarefa do Estado a protecção dos bens que por último enumerei, o estabelecimento destas normas de policiamento corresponde a um dever certo do legislador. Não está em causa uma ponderação sua sobre o grau óptimo de fazer concordar a existência da liberdade de expressão do pensamento com outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados. Em causa está antes o cumprimento, por parte do legislador ordinário, de deveres constitucionais de protecção normativa, dotados, eles próprios, de força vinculativa certa. Admitir-se-ia que a lei autorizasse (por acção ou omissão) que os sinais de trânsito viessem a ser cobertos por mensagens de propaganda política? Ou que as mesmas mensagens se impusessem em edifícios privados sem consentimento do respectivo proprietário? Ou que por qualquer forma produzissem evidente danosidade ecológica? O cumprimento, por parte do legislador, destes deveres de protecção não é restrição ou limite à liber- dade de expressão. É outra coisa. E para a realização dessa “outra coisa” – ou seja, para o cumprimento das regras mínimas de policiamento dos espaços públicos – são naturalmente competentes as autoridades, demo- craticamente legitimadas, do poder local. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Discordo da posição que fez vencimento, segundo a qual a exigência de que as infracções contra-orde- nacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação devem ser julgadas por entidade administrativa independente, contida no artigo 37.º, n.º 3, da CRP, apenas abrange as infracções praticadas através dos meios de comunicação social. Entre os artigos 37.º e 38.º da CRP, existe uma relação de especialidade. Enquanto no primeiro se dispõe sobre as liberdades e direitos de expressão e de informação em geral, abrangendo as mais diversas formas do seu exercício, o segundo preceito ocupa-se especificamente dessas liberdades e direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação social (vide, neste sentido, Gomes Canotilho/
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