TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na garantia de funcionamento da vida em sociedade num Estado de direito e, por outro lado, à possibilidade de afectação dos direitos e liberdades dos cidadãos que pode resultar da sua actividade. Se aquele interesse reclama operacionalidade e eficácia das forças de segurança, o segundo exige que a lei conforme a sua actividade de modo a que não se possam verificar restrições desproporcionadas àqueles direitos e liberdades. Foi a procura da garantia da obtenção de um ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, mesmo que cintilante e precário, por força da pressão de temores sociais com sentidos opostos, que motivou o legislador constitucional a consagrar especiais exigências neste domínio, sobretudo ao nível da definição dos órgãos competentes e da forma dos actos normativos necessários à regulamentação de tal matéria. O legislador constitucional não ignorou que na tensão dialéctica entre os direitos à liberdade e segurança, consagrados no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a actividade das forças de segurança interna do Estado desem penha um papel fundamental que justifica especiais preocupações relativamente a outros sectores da Administração Pública. Sendo esta actividade de elevada importância e risco que está na mira das referidas directrizes constitucionais, o conceito constitucional de “forças de segurança” não pode deixar de ser perspectivado numa visão ampla que abranja todos os corpos organizados que tenham por missão, principal ou secundária, garantir a segurança interna, o que inclui obrigatoriamente a prevenção de crimes que ponham em causa o direito à segurança dos cidadãos (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição)». Mais recentemente, através do Acórdão n.º 84/10, este Tribunal apreciou questão idêntica à colocada nestes autos, embora a propósito das atribuições constantes das alíneas z) , aa) e ab) do n.º 2 do artigo 3.º, e artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 274/2007, tendo concluído que estas normas não eram organica mente inconstitucionais, não só porque a ASAE não se integra no conceito de “forças de segurança”, mas também porque as normas questionadas não integram o “regime” das forças de segurança objecto de tutela pela norma constitucional. Quanto à questão da inclusão da ASAE no conceito constitucional de “forças de segurança,” conside rou-se neste aresto o seguinte: «3.1. Esta visão ampla do conceito constitucional de “forças de segurança” [refere-se ao Acórdão n.º 304/08] não suporta, no entanto, que nele seja incluída a ASAE, diferentemente do sustentado pela decisão recorrida. Dife rentemente da Polícia Judiciária, a ASAE “não tem por missão secundária garantir a segurança interna, prevenindo crimes que ponham em causa o direito à segurança dos cidadãos”. As atribuições constantes das alíneas z) , aa) e ab) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 274/2007 – atribuições secundárias por referência à missão que está legalmente cometida à ASAE no n.º 1 do mesmo artigo e de que as outras alíneas do n.º 2 são expressão – são absolutamente estranhas à “prevenção” de crimes que ponham em causa o direito à segurança dos cidadãos, constitucionalmente consagrado no artigo 27.º Até mesmo a atribuição de desenvolver “acções de natureza preventiva” em matéria de jogo ilícito, promovidas em articulação com o Serviço de Inspecção de Jogos do Turismo de Portugal, já que tal não se traduz numa qualquer acção de protecção contra agressões ou ameaças de outrem, face ao disposto nos artigos 95.º a 101.º do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro (sobre a “dimensão positiva” do direito à segurança aqui pressuposta, cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , volume I, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 27.º, ponto II.). Mais genericamente, é de concluir que a ASAE, ao prosseguir aquelas atribuições, não participa na função de garantir a “segurança interna”, que o artigo 272.º, n.º 1, da Constituição comete à polícia (à polícia de segurança, por contraposição à polícia administrativa e à polícia judiciária). “Não podendo afirmar-se que conceito de segu rança interna seja um «conceito constitucionalmente vazio», tem de reconhecer-se que a sua caracterização não se alcança por forma directa e definitória no texto constitucional” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt . Sobre as dificuldades do conceito, cfr. Catarina Sarmento e Castro , A questão das Polícias Municipais , Coimbra Editora, 2003, pp. 294 e segs.). Mas já é alcançável de forma indirecta, ainda que não definitória, a partir do conceito constitucional de “forças de segurança”, uma vez que a função de
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