TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

25 ACÓRDÃO N.º 224/10 não justificaria um regime específico neste domínio. A necessidade de que a entidade que procede ao julga- mento das contra-ordenações cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação seja dotada de independência, de modo a afastar quaisquer suspeitas que esse julgamento seja utilizado politicamente para condicionar o exercício dessa liberdade, sente-se independentemente do meio utilizado nesse exercício. Tenha-se presente, por exemplo, que a propaganda política utiliza dominantemente meios de expressão que não se incluem nos meios de comunicação social ( v. g. afixação de cartazes), sendo esse um sector que reclama com maior evidência uma imagem de isenção da entidade julgadora das contra-ordenações cometidas no seu exercício. Não se justificando, pois, a interpretação restritiva do artigo 37.º, n.º 3, da CRP, ela é aplicável às contra-ordenações cometidas em actividades de propaganda, uma vez que esta é uma forma de expressão do pensamento, abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito (vide, neste sentido o Acórdão deste Tri- bunal n.º 258/06), pelo que entendo que a norma contida no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, ao atribuir competência aos presidentes das câmaras municipais para aplicarem coimas pela prática de contra-ordenações relativamente a mensagens de propaganda, é inconstitucional. – João Cura Mariano. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido, face ao entendimento que perfilho e, que, sinteticamente, desenvolvo: De harmonia com o disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, compete ao presidente da câmara municipal, em matéria de mensagens de propaganda, aplicar as coimas decorrentes da violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 4.º e 6.º da mesma Lei. Assim, sendo certo que o parâmetro aferidor da constitucionalidade do preceito sindicado é o n.º 3 do artigo 37.º da CRP, há que, em meu juízo, circunscrever o âmbito de protecção da norma constitucional reportada às violações no exercício do direito de expressão do pensamento. E, cotejando o artigo 10.º, n.º 1, da citada Lei n.º 97/88, distinguiria, nomeadamente o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do artigo 4.º, n.º 2. Na primeira disposição, em que estarão em causa manifestações com a explicitação de mensagens de propaganda, afigura-se-me que terá de ser a “entidade administrativa independente”, a aplicar as coimas, porque se estará em sede de eventual violação do exercício do direito de expressão do pensamento. Já, no que concerne à segunda disposição legal (artigo 4.º, n.º 2), julgo que a intenção do legislador foi tão-somente evitar comportamentos de danosidade social, em nome da salvaguarda do bem público, pelo que são outorgados ao presidente da câmara funções de “polícia administrativa”, entre as quais se encontrará, também, o poder de aplicar, com esse propósito, as adequadas coimas. Assim, distancio-me do Acórdão que fez vencimento, no segmento assinalado, ou seja, no juízo de não inconstitucionalidade reportado ao artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 97/88, por considerar que se está perante mensagens de propaganda e, com tal, na área reservada do direito de expressão do pensamento, pelo que só a “entidade administrativa independente” seria competente para aplicar as coimas referidas no artigo 10.º, n.º 4, em análise. Discordo, pois, da interpretação redutora feita no Acórdão que fez vencimento, circunscrevendo as infracções contra-ordenacionais, cometidas no exercício de expressão e informação, somente através dos meiosde comunicação social. A interpretação assim efectuada ao n.º 3 do artigo 37.º da CRP é, salvo o devido respeito, contraditória, por manifestamente restritiva, com a previsão do n.º 1 do mesmo preceito, que abrange uma realidade bem mais ampla da mencionada no Acórdão (“Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”).

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