TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

254 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em que, por força do artigo 310.º, n.º 1, é irrecorrível, seria inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Mas então coloca-se a seguinte alternativa: – ou se sustenta a existência de um despacho autónomo para decisão destas questões, que a lei não contempla e que o Tribunal Constitucional não poderá criar – estaríamos, nesta primeira hipótese, perante uma lacuna do sistema, a que o recurso de constitucionalidade não pode dar cobertura; – ou se pretende que o despacho de instrução, na parte em que decida questões incidentais, não gozando de autonomia formal relativamente à decisão instrutória, alcance autonomia material que justifique a sua eventual revisibilidade, em sede de recurso. (…) Importa averiguar se constitucionalmente se impõe uma interpretação dessas normas de que resulte a admis­ sibilidade de recurso da parte do despacho instrutório (que não alargue o objecto do processo para além dos factos constantes da acusação do Ministério Público) que decida questões incidentais, em atenção a valores tais como o acesso à justiça, na vertente do direito a um duplo grau de jurisdição, e a plenitude das garantias de defesa em processo penal. A procedência da pretensão do recorrente – e do presente recurso – depende da resposta a dar a esta inter­ rogação. (…) O problema da conformidade constitucional do artigo 310.º, n.º 1, da Constituição da República Portu­ guesa, em face dos princípios do duplo grau de jurisdição e da plenitude das garantias de defesa, foi já por diversas vezes abordado pelo Tribunal Constitucional, no que respeita à recorribilidade do despacho instrutório na parte em que pronuncia o arguido, tendo o Tribunal concluído no sentido da não inconstitucionalidade. Entende-se que as razões então aduzidas são transponíveis para a questão agora em discussão. (…) Começando por confrontar o artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e com o direito, que o recorrente invoca, a um duplo grau de jurisdição, remete-se para a doutrina do Acórdão n.º 265/94 ( Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994, pp. 7239 e segs.): “A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies. É certo que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20.º, n.º 1) e, em matéria penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa» (artigo 32.º, n.º 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser asse­ gurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal. A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às deci­ sões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa (veja- -se, nesse sentido, o Acórdão n.º 8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º Vol., p. 235), a verdade é que como se escreveu no Acórdão n.º 31/87 do mesmo Tribunal, «se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido».” (…) A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos objectivos constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução dos processos-crime (artigo 32.º, n.º 2, in fine , da Constituição da República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o legislador optou decididamente pela segunda via.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=