TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
265 ACÓRDÃO N.º 248/10 Paralelamente, em 1988, por ocasião da comemoração do nono centenário da Universidade de Bolonha, Eduardo García de Enterría definiu a Universidade como a « consciência crítica de uma sociedade aberta» (vide “La autonomia universitária”, in Revista de Administración Pública , n.º 117, 1988, pp. 7 e segs.). Segundo o referido Autor, a autonomia universitária constitui o instrumento essencial que transforma uma determinada organização numa universidade e que explica a sua vitalidade, a sua permanência ao longo dos tempos e, sobretudo, a sua possibilidade de renovação, ideia tão cara ao próprio desenvolvimento das sociedades humanas. Na verdade, nessa perspectiva, a Universidade só pode assegurar a sua função de for mação de novos académicos ou mesmo de meros profissionais, através de um ensino crítico, plural e não dogmático, que se coloca a si mesmo constantemente em causa, aberto à investigação e à mudança perma nentes. A autonomia universitária significa, assim, em primeiro lugar, “liberdade de ciência e incorporação dessa liberdade no processo formativo”, sendo necessário um enquadramento institucional concreto que as torne possíveis. O prestígio de uma universidade assenta sobretudo no prestígio dos seus professores. Nin guém questiona que a selecção do pessoal docente deva ser levada a cabo pela própria comunidade científica universitária. Apenas a comunidade científica está em condições de avaliar objectivamente os seus membros. Assim,a construção da autonomia universitária, enquanto objectivo a alcançar, reclama necessariamente uma capacidade de auto-organização e de auto-decisão das Universidades para diversos efeitos, nomeada mente para seleccionar adequadamente o seu próprio corpo docente ( ob. cit., pp. 11 a 19) Por seu turno, este Tribunal, através do Acórdão n.º 491/08 (publicado no Diário da República , 2.ª série, de 11 de Novembro de 2008), debruçou-se sobre o sentido constitucional da autonomia universitária nos seguintes termos (na parte que ora releva): «[...] 8.5 (...) A autonomia universitária afirmou-se ao longo dos tempos, essencial e prevalentemente, enquanto liberdade de pensar, de investigar e de ensinar. Mas uma liberdade institucionalizada, na comunidade social, ou exercida, de modo objectivo, por um concreto corpus científico. Ao reconhecer às universidades, no n.º 2 do artigo 76.º, a autonomia estatutária, científica e pedagógica, administrativa e financeira, a nossa Constituição não deixou de estar a recuperar o acervo axiológico-histórico que verdadeiramente as identifica: como instituições que praticam e assentam a sua actividade na liberdade de pensar e de investigar e que transmitem o conhecimento assim obtido aos estudantes universitários e à comunidade social. (...) Ora, a autonomia das universidades visa garantir, institucionalmente, o exercício dessa liberdade de investiga ção e de ensino, reconhecidos como direitos pessoais fundamentais. Nesta medida, a universidade apresenta-se simultaneamente como instituição que se afirma na liberdade cientí fica e na liberdade de ensinar o conhecimento assim obtido – no que se costuma designar por “liberdade de cátedra” –, como corpo, essencialmente constituído pelos “professores universitários” que exercem pessoalmente essa liber dade científica e de ensino e que transmitem o conhecimento, por si alcançado, aos alunos universitários. (...) No dizer de Tomás Ramón Fernández (La autonomía universitaria: ámbito y limites, Editorial Civitas, S.A., p. 46), perante idêntico quadro normativo da Constituição espanhola, a diferença “é que na Universidade se ensina e se investiga e para a aprendizagem e a investigação, que são a razão de ser deste particular serviço público, a liberdade é rigorosamente essencial. […]. Na Universidade ensina-se porque se investiga. […]. O específico da universidade, e o que a distingue das demais instituições integrantes do sistema educativo, é que é nela que se faz a Ciência, boa ou má, de um país, onde se produz, em consequência esse corpus científico em perpétuo fieri que as restantes instituições se limitam a transmitir e propagar de acordo com as orientações que os responsáveis do siste ma importem. O professor universitário transmite, ao invés, aquilo que ele mesmo está aprendendo dia a dia, é por isso algo mais que um mero transmissor, é um sujeito activo do processo científico, cuja actuação como tal resulta em hipótese incompatível com a existência de quaisquer orientações, que se chegassem a impor-se desvirtuariam, pura e simplesmente, a sua função social, transladando automaticamente o seu próprio papel de autor daquelas”.
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