TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
283 ACÓRDÃO N.º 253/10 Razões de segurança implicam por vezes a renúncia à descoberta da verdade. Disso são exemplo as regras relativas às proibições de prova, proibição da reformatio in pejus , non bis in idem , prescrição do procedimento. Ou seja, a verdade só pode ser procurada «de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas» ob. cit. pp. 25. Também as normas relativas à fixação do objecto, cuja fonte é o n.º 5 do art. 32.º da CRP (estrutura acusatória do processo), visam primacialmente as garantias de defesa do arguido e o direito deste ao contraditório. Em obediência a tal comando constitucional, a autorização legislativa concedida ao Governo para aprovar o Código de Processo Penal (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro), dispunha no seu art. 2.º: «parificação do posicio namento jurídico da acusação e da defesa em todos os actos do processo e incrementação da igualdade material de “armas” no processo; estabelecimento da máxima acusatoriedade do processo penal, temperado com o princípio da investigação (…)». Desde então, e até hoje, temos que o paradigma do CPP, na fase do julgamento, consiste num processo de estrutura acusatória temperado pelo princípio da investigação judicial, de que a expressão máxima é o art. 340.º. Ora, o princípio da investigação traduz o «poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autono mamente, mesmo para além das contribuições da acusação e defesa, o facto sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão» ob. cit. pp.73. Quer isto dizer que, definido o objecto do processo e do julgamento pela acusação, o tribunal deve procurar a reconstrução histórica dos factos, deve procurar por todos os meios processualmente admissíveis alcançar a verdade histórica (verdade material), independentemente ou para além da contribuição da acusação e da defesa, não se bastando assim com uma verdade meramente formal – ob. cit. pp.78, 79. Ora, ao atribuir ao julgador tal poder-dever, o legislador previu que daí poderia resultar o apuramento de factos, uma reconstrução histórica diferente daquela que consta na acusação ou na pronúncia. E esses novos factos tanto podem resultar em benefício do arguido (ex. causas de justificação), como podem implicar que este seja confrontado com uma realidade diversa (imputação do mesmo tipo de crime mas numa modalidade mais gravosa ou imputação de um crime diverso). Neste último caso, estamos perante uma alteração substancial dos factos – art. 1.º f ) do CPP. Ora, se no primeiro caso não existem quaisquer óbices à consideração de tais factos, uma vez que o fim do processo penal (a realização da Justiça) é atingido na sua plenitude, no segundo caso há que encontrar uma solução equilibrada que, por um lado, garanta a tutela efectiva do bem jurídico violado e, por outro, assegure as garantias de defesa do arguido, mormente o respeito pelo contraditório. Deixando de parte as situações de factos autonomizáveis, que não levantam dificuldades, quando de factos não autonomizáveis se tratou esse equilíbrio foi encontrado pela doutrina e pela jurisprudência, com o “aval” do Tribunal Constitucional, ao abrigo da anterior redacção do art. 359.º do CPP – Cfr. Acórdão do TC n.º 237/2007, publicado no Diário da República , II Série, de 24 de Maio de 2007. Efectivamente, a extinção da instância e a comunicação dos novos factos ao MP para que relativamente a eles proceda assegura plenamente tanto o direito do arguido a um processo justo e equitativo como a tutela efectiva do bem jurídico violado. Sucede que tal equilíbrio foi quebrado com a solução adoptada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto. E isto acontece especialmente nos casos em que da alteração dos factos resulta a imputação de um crime diverso e que tutela um bem jurídico diferente daquele cuja imputação foi feita ao arguido na acusação ou na pronúncia, como é o caso dos autos. Escreveu-se a propósito na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X (Revisão do CPP), «No âmbito da alteração substancial de factos, introduz-se a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis, estipulando-se que só os primeiros originam a abertura de novo processo (artigo 359.º). Trata-se de uma decor rência dos princípios non bis in idem e do acusatório , que impõem, no caso de factos novos não autonomizáveis, a continuação do processo sem alteração do respectivo objecto». Transpondo para o caso concreto, tendo sido produzida toda a prova, haveria lugar à prolação de sentença que, adiante-se, seria necessariamente absolutória dado que não resultou provado nem o dolo de perigo, nem a negligência
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