TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que o tipo de crime previsto no art. 291.º do Cód. Penal exige. Quer isto dizer que a conduta criminosa do arguido, que tentou atropelar o assistente e só não o conseguiu por aquele se ter refugiado a tempo de evitar ser colhido pelo automóvel, escaparia à necessária e adequada reacção da ordem jurídica e, correlativamente, ficaria desprovido de tutelapenal o direito fundamental do Assistente à inviolabilidade da sua integridade física (art. 25.º da CRP), enquanto titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Assim, e por via de tal alteração, entendeu o legislador sobrevalorizar os direitos do arguido, restringindo desnecessária e injustificadamente o direito daqueles que vêm violados os seus direitos fundamentais à protecção e tutela efectiva desses mesmos direitos, o que viola claramente o disposto no art. 18.º n.º 2 da CRP. Paralelamente, acabou por limitar o poder de investigação do juiz, que agora apenas poderá fazer uso dos meca nismos legais ao seu dispor para obter a comprovação dos factos descritos na acusação ou na contestação, sem se preocupar, porque de tarefa inútil se trata, com a reconstrução histórica dos factos, a procura da verdade material, que não raras vezes é bem diferente do relato feito quer pelo MP, quer pelo arguido. Aliás, admitir que um arguido concorde com uma alteração substancial de factos quando daí resulte a imputação de um crime diverso (o que, salvo nos caso de concurso aparente de crimes, conduzirá à absolvição daquele pelo qual está acusado) ou a agrava ção do limite máximo da pena aplicável (daí podendo resultar a condenação em medida superior ou em pena de diferente e mais gravosa natureza), é algo que não tem qualquer reflexo no dia-a-dia dos tribunais. Já ao abrigo da anterior redacção, tal concordância era uma realidade palpável, dado que o arguido poderia ter interesse em não ter de enfrentar ab initio um novo processo, preferindo aproveitar toda a prova produzida e, porventura, requerer a produção suplementar de prova relativamente aos novos factos. A restrição de direitos liberdades e garantias como medida de salvaguarda de outros direitos ou interesses cons titucionalmente protegidos só pode ocorrer quando não é possível a adopção de medidas de equilíbrio que assegure tanto uns como outros. Ora, repita-se, tal equilíbrio é possível e foi alcançado ao abrigo da anterior redacção do art. 359.º do CPP. Mas, acrescente-se, a solução adoptada pelo legislador na Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando ainda estava em preparação e discussão, não mereceu desde logo o consenso de todos os membros da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP). Com efeito, estando disponíveis no sítio do Ministério da Justiça as actas das reuniões, pode-se constatar na Acta n.º 25 que a redacção proposta para o art. 359.º do CPP foi aceite sem qualquer objec ção na parte em que consagrou a doutrina dos factos cindíveis ou autonomizáveis e incindíveis ou não autono mizáveis, tendo como limite o non bis in idem . Porém, no que respeita aos factos não autonomizáveis, foi a seguinte a posição do Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes: (…) Já com a Lei 48/2007 em vigor, a aplicação do regime novo do art. 359.º do CPP foi afastada, com funda mento na sua inconstitucionalidade, pelo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Faro, no âmbito do Proc. N.º 81/07.6GCFAR, em que estava em causa precisamente o conhecimento de factos não autonomizáveis, sem que tenha havido concordância do arguido na continuação do julgamento pelos factos novos. (…) Interposto pelo MP recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, veio a ser proferido juízo de «não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do Código e Processo Penal, na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descri tos na acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objecto do processo – opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos –, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos» – Acórdão N.º226/2008, in DR 140 II Série de 22-07-2008. Ainda assim, e com o devido respeito, entendo que tal juízo não deverá vingar, pelas seguintes razões: (…) Voltando ao caso dos autos (crime contra a integridade física versus crime contra a segurança das comunica ções) não está em causa o apuramento de “circunstâncias modificativas especiais”, nem o prosseguimento dos autos permitiria considerar que “o bem jurídico nuclear susceptível de justificar a incriminação encontra ainda o mínimo de protecção penal, sendo apenas escamoteados alguns concretos factores de intensificação dessa protecção”. Isto porque estamos perante bens jurídicos distintos, com uma dimensão normativa e valorativa também ela distinta.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=