TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

287 ACÓRDÃO N.º 253/10 Se o Senhor Juiz tivesse de proferir sentença ela “seria necessariamente absolutória dado que não resultou provado nem o dolo de perigo nem a negligência que o tipo de crime previsto no artigo 291.º do Código Penal exige” (como diz expressamente aquele Magistrado). Perante esta decisão poderia, posteriormente, o Ministério Público, com base em certidão extraída desse pro­ cesso, accionar criminalmente o arguido pelo crime de ofensas à integridade física na forma tentada, sem que dessa forma fosse violado o princípio do “ ne bis in iden ”? O que estaria abrangido pelo caso julgado absolutório que se havia formado, uma vez que os factos considera­ dos provados seriam os mesmos, apenas se alterando o elemento subjectivo da infracção? O recurso à distinção dos bens jurídicos tutelados pelos respectivos tipos legais seria suficiente para admitir um segundo julgamento? Entramos num campo de dúvidas de não fácil superação, mesmo recorrendo à doutrina e à jurisprudência. Na sua declaração de voto a Exm.ª Senhora Conselheira Lúcia Amaral, diz o seguinte: “É certo que a pergunta que a decisão recorrida colocava ao tribunal – por vaga e imprecisa que fosse a sua formulação – dizia respeito ao deficit de protecção de direitos e liberdades pessoais. Pretendia-se saber, afinal, se a norma processual em juízo assegurava suficientemente a protecção necessária de bens jurídicos, constitucionalmente tutelados”. Ora, face à dúvidas de que anteriormente demos conta – dúvidas que o Tribunal Constitucional, neste momento,não tem, nem pode superar – a resposta à dúvida da Exm.ª Senhora Conselheira, só pode ser esta: a interpretação normativa em causa não assegura, suficientemente, a protecção necessária de bens jurídicos consti­ tucionalmente tutelados. Entendemos, pois, que a norma é inconstitucional. As razões dessa inconstitucionalidade, ou seja, a violação do princípio do Estado de direito democrático enquantogarante da efectivação de direitos liberdade e garantias, do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º e 9.º, alínea b) , artigo 18.º, n.º 2, e artigo 20.º, da Constituição, respectiva­ mente), vêm expressas e são aprofundadamente referidas na decisão recorrida. Concordando inteiramente com o que aí se diz, quanto a este ponto, remetemos para a fundamentação constante dessa decisão. 2.5 . A conclusão pela inconstitucionalidade da norma, parece-nos que sairá reforçada se se pensar em eventuais situações que podem ocorrer. (…) 2.7 . A relação ou equiparação entre uma alteração da qualificação jurídica e alteração de factos, nunca foi isenta de polémica. Bastará recordar o ocorrido nesta matéria, no que diz respeito à simples alteração de qualificação. Antes da edição da Lei n.º 59/98, esta questão da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia foi objecto de diversas posições quer na doutrina quer na jurisprudência. Essa divergência jurisprudencial originou o “Assento n.º 2/93 (DR, I-A, de 10 de Março de 1993) segundo o qual não constituía alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convocação) ainda que se traduzisse na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave. No próprio processo em que foi tirado o “Assento” houve recurso para o Tribunal Constitucional que pelo acórdão n.º 279/95, julgou inconstitucional as normas na interpretação dada pelo “Assento” mas tão só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se previsse que o arguido fosse prevenido da nova qualificação e se lhe desse, quanto a ela, oportunidade de defesa. Este acórdão veio, no fundo, confirmar o entendimento do Tribunal sobre esta matéria e já anteriormente expresso no acórdão n.º 173/92 que apreciou a constitucionalidade de uma norma do Código de Justiça Militar. Após o Acórdão n.º 279/95, foram proferidos outros, o que levou o Ministério Público a requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. O acórdão que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, foi o Acórdão n.º 445/97.

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