TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
297 ACÓRDÃO N.º 257/10 Ora bem o TC estabeleceu um valor de referência pelo que se entende que o mesmo serve de igual modo para os salários. Acresce que também o Ac. n.º 96/2004 in DR II série, 01.04.2004, se decidiu exactamente pelo oposto do Ac. de 2006. A inconstitucionalidade dispensa qualquer prova de insuficiência económica por parte do executado. As conclusões da agravante improcedem pois na totalidade.(…)» 2. É desta decisão que o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n. os 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC). Admitido o recurso, o Ministério Público recorrente alegou e concluiu: «(…)1 – Não é materialmente inconstitucional o regime constante do artigo 824.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código de Processo Civil (na redacção anterior à emergente do Decreto-Lei n.º 38/03) que se traduz em não consi derar estabelecida a impenhorabilidade, total e automática, dos rendimentos do trabalho, auferidos pelo executado, e que não excedam o montante do salário mínimo nacional. 2 – O interesse na sobrevivência condigna do executado é, neste caso, assegurado, em termos bastantes, pela possibilidade, outorgada ao juiz pelo n.º 3 de tal preceito legal, de realizar um juízo de ponderação casuístico e pru dencial, articulando os interesses do exequente e executado, de acordo com a natureza do débito e as necessidades do devedor e seu agregado familiar. 3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – quanto a pensões ou regalias sociais de valor não superior ao salário mínimo – vigorar (por imposição da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional) um regime de impenhorabilidade total e “automática”, já que tais rendimentos assentam ou pressupõem uma situação de particular debilidade, incapacidade ou fragilidade económica do executado, que se não verifica necessariamente quando estiverem em causa rendimentos profissionais, mesmo que de montante reduzido. 4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o decidido no Acórdão n.º 657/2006.(…)» II — Fundamentação 3. A Relação de Guimarães abordou a questão de inconstitucionalidade mediante a citação dos Acórdãos do Tribunal Constitucional em que a matéria foi apreciada, não tendo tratado ex professo dessa questão. No entanto, apesar de não haver uma declaração expressa do exacto sentido da norma julgada inconstitucional, ele retira-se do texto da decisão sem margem de dúvida; a Relação desaplicou efectivamente o artigo 824.º, n.º 1, alínea a ), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, por considerar que, interpretada no sentido de ser possível a penhora de vencimento quando o respectivo valor é igual ao salário mínimo nacional, independentemente de prova da insuficiência económica do executado. Passemos, por isso, a analisar esta questão. 4. A Constituição reconhece expressamente o valor da dignidade humana no seu artigo 1.º, ao afirmar que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. No seu Acórdão n.º 105/91, o Tribunal considerou que a dignidade humana é um valor axial e nuclear da Constituição vigente, inspirando e fun damentando todo o ordenamento jurídico, reconhecendo-se esse valor como eminente da pessoa, como ser autónomo, livre e socialmente responsável. É nesta óptica que tem sido analisadas as questões que se radicam no chamado princípio da sobrevivência condigna ou do direito ao mínimo de sobrevivência, conforme o Tribunal decidiu no Acórdão n.º 232/91, referente a pensões devidas por acidentes de trabalho, e nos arestos tirados sobre norma idêntica à que está agora em causa, contida no artigo 824.º do Código de Processo Civil,
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