TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sobre questões de constitucionalidade. A impenhorabilidade de prestações devidas pelas instituições de segurança social, em particular, foi, na verdade, por várias vezes objecto de análise pela nossa jurisprudência constitucional. (…) A própria previsão da possibilidade de o juiz isentar totalmente de penhora o executado, tendo em conta “a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar”, começou por ser prevista, no artigo 824.º, n.º 3, apenas para as prestações a que aludia a alínea b) do n.º 1 do artigo 824.º, com exclusão dos vencimentos e salários, tendo sido estendida a estes últimos pelo Decreto-Lei n.º 180/96. E esse mesmo tratamento diferenciado é o que se encontra previsto hoje, no artigo 824.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que apenas veda no caso de pensão ou regalia social a possibilidade de o juiz, tendo em conta as circunstâncias concretas, reduzir o limite mínimo impenhorável, correspondente ao salário mínimo nacional. Este tratamento distinto das pensões e outras regalias sociais, por um lado, e dos vencimentos e salários – isto é, de retribuição do trabalho – , por outro, fundamenta-se na sua diferente função e natureza. Nesta perspectiva, importa salientar que não só a decisão proferida no citado Acórdão n.º 177/02, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao “salário mínimo nacional”, não inclui, como vimos, a dimensão normativa em causa no presente recurso, como não impõe só por si uma solução para a apreciação da constituciona lidade desta última, na medida em que um dos fundamentos para uma solução diversa seja, justamente, a diferente natureza e função de uma prestação remuneratória ou retributiva e das pensões ou regalias sociais. (…) Importa justamente averiguar em que medida podem ser consideradas procedentes, para a penhora de vencimentos e de salários, as considerações que este Tribunal teceu no sentido de uma impenhorabilidade absoluta de montantes inferiores (ou que privem o executado de um montante pelo menos igual) ao salário mínimo nacio nal. Trata-se de averiguar se são procedentes os argumentos apresentados, a tal respeito, no Acórdão n.º 177/02, e, designadamente (pois que se pronunciou especificamente sobre a penhora de salários) no Acórdão n.º 96/04. Ambos os arestos fundaram-se na violação do “princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito”, e que se disse resultar das disposições conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n. os 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição (isto, apesar de no segundo caso não estar propriamente em causa o direito a uma prestação de segurança social, mas antes a penhora de uma parcela do salário). (…) Esses critérios constitucionais e legais explícitos contrariam a qualificação do salário mínimo como garantia indispensável de um “mínimo de subsistência”, implicado pelo valor da dignidade humana, cumprindo notar, aliás, que o que está aqui em causa não é a existência de outras referências possíveis para definir o limiar em causa, mas a inadequação do salário mínimo para tanto. E diga-se que, por outro lado, tal inadequação se não prende com a possibilidade, ou não, de afirmar qualquer presunção, relativa ou absoluta, de debilidade económica ou social do trabalhador que aufere apenas o salário mínimo – muito menos um juízo comparativo sobre tal debilidade económica ou social em relação aos titulares de pensões sociais. O salário mínimo é uma prestação retributiva do trabalho equivalente ao mínimo que a ideia de dignidade e valor do trabalho (e não da pessoa humana) implicam – ou, se se quiser, repete-se, da pessoa enquanto trabalhador –, e que outras razões sociais e económicas condicionam, mas não é o critério adequado, e muito menos constitu cionalmente imposto, para uma abstracta impenhorabilidade total, fundada na protecção da dignidade da pessoa humana. (…) Sendo certo que é mesmo desejável que o montante do salário mínimo se afaste, cada vez mais, do valor do “mínimo de sobrevivência condigna”, este mínimo pode, porém, por outro lado, ser mesmo ser superior ao salário mínimo – e muitas vezes sê-lo-á sem dúvida (por exemplo, em agregados familiares numerosos). Pode, pois, dizer-se que a RMMG não é o valor referencial adequado para a imposição de uma impenhorabi lidade em abstracto, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana. Antes, consoante as circunstâncias, pode ser insuficiente, ou pode, pelo contrário, ser excessivo. De acordo com as exigências constitucionais, e quando o valor dos rendimentos do executado for superior ao “mínimo de existência”, é aceitável, pois, a possibilidade, que estava prevista no artigo 824.º, de, sem uma impenhorabilidade absoluta do valor correspondente ao salário mínimo, o juiz fixar o montante penhorável entre um terço e um sexto, ou isentar mesmo totalmente de penhora,
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