TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
306 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de tal diploma legal – é materialmente inconstitucional, por violar o princípio da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. 2.º Na verdade, a imediata aplicação do novo regime, delimitador da responsabilidade sub sidiária do FAT, aos direitos dos sinistrados e em detrimento do âmbito da garantia de que estes beneficiavam face à originária redacção do preceito legal – frustrando a consistência prática de um montante substancial das prestações judicialmente reconhecidas – constitui compressão exces sivamente onerosa ao direito à justa indemnização dos danos emergentes do acidente de trabalho. 3.º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida. (…)» 3. O recorrido Fundo de Acidentes de Trabalho apresentou contra-alegação, concluindo: Recusa o M.º Juiz do Tribunal do Trabalho de Setúbal a aplicação dos artigos 2.º (enquanto introduz um novo n.º 5 no art. 1.º do Decreto-lei n.º 142/99) e 5.º, n.º 1 do DL. n.º 185/2007 de 10 de Maio, por se revelarem inconstitucionais, por violação quer do art. 59.º, n.º 1, al. f ) da Constituição, quer dos princípios da confiança inerente ao Estado de Direito, da igualdade e do acesso ao direito, consagrados nos arts. 2.º, 13.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 da Constituição. O sinistrado sofreu um acidente de trabalho em 02/1072000, tendo-lhe sido fixadas as prestações devidas por acidente de trabalho, por acórdão de 25/01/2005, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora. Por despacho de 27/02/2008, o Tribunal de Trabalho de Setúbal ordenou ao FAT o pagamento da pensão agra vada devida ao sinistrado. Nesta data já estava em vigor o n.º 5 do art. 1.º do DL. n.º 142/99 de 30 de Abril com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 185/2007 de 10 de Maio, o qual estabelece que “Verificando- -se alguma das situações referidas no n.º 1 do art. 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º, todos da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.” A aplicação deste normativo ao caso dos autos justifica-se pois, à data da fixação das prestações devidas ao sinis trado pela entidade patronal (e/ou seguradora), 02/10/2000, não existia qualquer expectativa deste relativa à futura e eventual intervenção do FAT, nem tão pouco acerca das prestações que este poderia vir a assegurar. Tal expectativa só surge após ter sido apurada a situação de insolvência ou insuficiência económica da entidade patronal, ou seja, quando é proferido despacho a ordenar a intervenção do FAT e a transferir para este o pagamento pelas prestações devidas ao sinistrado, com as limitações previstas na legislação em vigor àquela data. Logo, o princípio da confiança, estabelecido no art. 2.º da Constituição, não foi violado, já que à data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora o sinistrado não possuía qualquer expectativa relativa ao FAT, atendendo a que desconhecia em absoluto que num momento futuro, após apuramento da insuficiência económica da entidade patronal, tal entidade seria chamada a intervir nos autos para lhe assegurar o pagamento das prestações emergentes do acidente de trabalho sofrido. Sendo o agravamento da pensão resultado do comportamento doloso ou simplesmente negligente da entidade empregadora, o mesmo não tem carácter compensatório mas sim punitivo. Tal responsabilidade subjectiva ou mesmo criminal do empregador não poderá ser encargo do FAT, fundo público de cariz social. Por outro lado, a maior ou menor abrangência das competências atribuídas ao FAT em cada momento, na medida em que não coloca em causa a “justa reparação” do sinistrado (a cargo da entidade patronal ou seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade) não consubstancia qualquer inconstitucionalidade. Logo, também não existe qualquer violação do art. 59.º, n.º 1, al. f ) da Constituição, atendendo a que está assegurado pelo Estado um sistema de garantia estatal do pagamento das prestações de acidente de trabalho, o qual se consubstancia na existência do FAT.
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