TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
312 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Cons titucional, designadamente através dos Acórdãos n. os 17/84 e 86/84, publicados nos 2.º e 4.º Vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente). (…) Em que se traduz esta «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva»? A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão). Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbi trária. Os dois critérios completam-se, como é, de resto, sugerido pelo regime dos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Cons tituição. Para julgar da existência de excesso na «onerosidade», isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessaria mente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas. Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes. Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes, um «investimento na confiança» na manutenção do regime legal – para usar uma expressão da jurisprudência constitucional alemã atrás referida. Valem aqui, por maioria de razão, as considerações que a jurisprudência deste Tribunal, atrás referida, tem feito ao negar uma proibição genérica de retroactividade. Tal é particularmente claro quando o sacrifício das expectativas anteriores resulta de uma imprevisível alteração das circunstâncias: como na doutrina privatística da base negocial, não há então lugar à manutenção das expectativas. Assim, por exemplo, medidas legislativas de política económica conjuntural poderão ser alteradas, com frustração de expectativas, se a conjuntura económica mudar ou se, mesmo sem essa mudança, mudar a orientação geral da política económica em consequência de mudança de governo, constitucionalmente previsível. Nada dispensa a ponderação na hipótese do interesse público na alteração da lei em confronto com as expectativas sacrificadas. (…) 30 – Considerando-se, como se considera, que é inadmissível, ante o princípio do Estado de direito democráti co, uma afectação de expectativas com que se não possa razoavelmente contar – por ser extraordinariamente onero sa e excessiva – deve concluir-se pela inconstitucionalidade do artigo 106.º da Lei n.º 38/87, enquanto aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor. (…) Há que reconhecer aqui uma margem de discricionariedade do legislador, respeitada pela Constituição. Mas deve acentuar-se que a tradição legislativa anterior não era arbitrária e visava proteger interesses que não deixam de ser constitucionalmente relevantes. As partes no processo têm uma posição jurídica que inclui um direito proces sual à manutenção do valor da causa, uma vez fixado, e a forma do processo daí resultante, que implica a existência de uma série de trâmites futuros com que a parte deve poder contar em cada instância para planear a defesa dos
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