TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
313 ACÓRDÃO N.º 260/10 seus interesses e, até, implica a eventual existência de uma instância de recurso, embora esta esteja dependente da verificação de pressupostos futuros. Não é, pois, uma ponderação desrazoável dos interesses em presença aquela que está na base da tradição legislativa. 31 – Deve questionar-se ainda se a afectação de expectativas referida é inadmissível por ser também arbitrária – isto é, por não ter sido ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote gidos e que no caso devam considerar-se prevalecentes. Todavia, no caso presente, a alteração das alçadas não parece ter sido ditada pelas exigências de uma reforma da justiça, mas apenas pela necessidade, resultante da inflação, de manter, actualizando-o, um critério anterior. Ponderar-se-á que também o valor dos processos se desactualizou paralelamente com a mesma inflação. Da necessidade de uma norma como o artigo 106.º da Lei n.º 38/87 já se pode duvidar, até pela sua rápida revogação. Não está em causa o fundamento da revogação pela Lei n.º 49/88, que nem sequer é explicitado pelo legislador. O certo, porém, é que a entrada em vigor desta sugere a desnecessidade de restringir o acesso a tribunais superiores, mediante o exercício do direito de recurso, através da afectação das expectativas anteriormente firmadas. Em si mesmo, este indício (da desnecessidade de afectação desfavorável de expectativas) não bastaria para iden tificar, conclusivamente, uma contradição entre os artigos 106.º da Lei n.º 38/87, na parte em que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, e 2.º da Constituição. No entanto, constitui um elemento a ponderar que reforça a conclusão anteriormente extraída, nos termos da qual a afectação de expectativas em causa é contrária ao artigo 2.º da Constituição, por ser excessivamente onerosa. É claro que se justifica plenamente a ressalva, aliás feita também pela Lei n.º 49/88, dos casos julgados e entre tanto formados. (…)” Conforme o que se fez constar do Acórdão n.º 486/97 ( Diário da República , II Série, de 17 de Outubro de 1997): «(…) No Acórdão n.º 95/92 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21.º Vol., pp. 341 e segs.), “fora do Direito Penal” (e fora, bem assim, do domínio das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias), “uma lei retroactiva não é, em si mesma, inconstitucional”, embora possa sê-lo “se essa retroactividade se traduzir na violação de princípios ou de disposições constitucionais autónomas”. E, de facto, o Tribunal já teve ocasião de, por diversas vezes, com fundamento na violação do princípio da confiança, que vai implicado no princípio do Estado de direito, julgar inconstitucionais normas jurídicas não penais, nem restritivas de direitos, liberdades ou garantias, por serem retroactivas [cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 93/84 (publicado nos Acórdãos citados, 4.º Vol., pp. 153 e segs.) e 71/87 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Maio de 1987)]. O Tribunal também já julgou inconstitucionais normas jurídicas que, embora não sendo retroactivas, não versando matéria penal, nem sendo leis restritivas de direitos, liberdades ou garantias, eram de aplicação imediata a situações jurídicas existentes. Tratou-se de situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, em que, por ser imediatamente aplicável, a lei afectou de forma “inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa” expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, desse modo violando aquele mínimo de certeza e de segurança que eles devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito. A este impõe-se, de facto, que organize a “protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida” – para usar os dizeres do Acórdão n.º 330/90 (publicado nos Acórdãos citados, 17.º Vol., pp. 277 e segs.). Um exemplo disto é o Acórdão n.º 287/90 (publicado nos Acórdãos citados, 17.º Vol., pp. 159 e segs.), que julgou inconstitucional a norma do artigo 106.º da Lei n.º 37/87, de 23 de Dezembro (conjugado com os artigos 20.º, n.º 1, e 108.º, n.º 5, da mesma Lei), que suprimiu o direito de recurso nos processos pendentes, por aplicação imediata dos novos valores das alçadas. (…) A norma sub judicio não é retroactiva. É que, como se disse atrás, ela “não se aplica às acções pendentes em juízo à data” da entrada em vigor da Lei n.º 24/89, de 1 de Agosto. Se alguma acção desse tipo ainda estava pendente no momento da entrada em vigor do
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