TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

314 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mencionado artigo 65.º, n.º 2, o respectivo prazo de caducidade continuou a contar-se do conhecimento inicial, pelo senhorio, do facto violador do contrato de arrendamento. A norma questionada aplica-se apenas para o futuro, pois que rege tão-somente para as acções de despejo propostas em momento em que, sendo a causa de pedir constituída por “facto continuado ou duradouro”, o re­ spectivo prazo de caducidade se contava já “a partir da data em que o facto tiver cessado” (cfr. artigo 1094.º, n.º 2, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 24/89, de 1 de Agosto). Aplica-se, no entanto, a situações de facto que concernem a relações jurídicas não terminadas, ou seja, a situações de violação contratual (continuadas ou duradoiras) vindas de trás, que, constituindo já antes fundamento de resolução do contrato de arrendamento, só são invocadas pelo locador já no domínio desta norma. A norma aplica-se, assim, às relações jurídicas de locação “já constituídas” que subsistiam “à data da sua entrada em vigor”, em conformidade com o que se prescreve na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. Trata-se, por conseguinte, de uma norma retrospectiva – ou, se se preferir, de um caso de retroactividade inau­ têntica. Uma norma retrospectiva é uma norma que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data (cfr. o Acórdão n.º 232/91, publicado nos Acórdãos citados, 19.º Vol., pp. 341 e segs.). Uma lei retrospectiva não levanta o problema da retroactividade da lei. Coloca, porém, como se anotou – e semelhantemente ao que acontece com as leis retroactivas que não sejam leis penais, nem leis restritivas de direitos liberdades e garantias – a questão da eventual violação do princípio da confiança, que vai ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Mas essa violação só se verifica, se a lei atingir “de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcio­ nadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm que respeitar” (cfr. Acórdão n.º 365/91, publicado nos Acórdãos citados, 19.º Vol., pp. 143 e segs.), ou seja, “a ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica” (cf. citado Acórdão n.º 232/91). E tal sucede, quando os desti­ natários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas que a lei afecte de forma “inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa”. Nos dizeres do citado Acórdão n.º 232/91, “uma norma retrospectiva só deve ser havida por constitucional­ mente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, com efeito, a con­ fiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a situação do cidadão. E isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira”. Ora, já se viu que a circunstância de os senhorios não terem proposto as acções de despejo no ano subsequente ao conhecimento do facto (continuado ou duradouro) violador do contrato, não faz nascer para os locatários qualquer direito a não mais serem despejados. E nem tão-pouco legitima qualquer expectativa nesse sentido. Essa expectativa só seria legítima, se pudesse considerar-se razoável a renúncia fictiva e antecipada, pelo senhorio, do direito de fazer cessar o contrato. Mas também se viu que não é de admitir essa renúncia fictiva e antecipada do direito de accionar o locatário, pois que ela – para além de se colocar “em contradição com o sistema de direito português (designadamente com o princípio normativo que inspira os preceitos dos artigos 288.º, 809.º e 840.º do Código Civil)” – traduzir-se-ia “em violação do direito à tutela judicial por parte do locador”.(…)» 11. No caso em apreço, a lei prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data, pelo que haverá que examiná-la à luz do princípio da protecção da confiança, no qual vai implicada uma ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica. Ora, é inevitável concluir que o regime resultante do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 185/2007, con­ jugado com o artigo 2.º, na parte em que altera o n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, afecta expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, que na data da sua entrada em vigor já tinham a seu

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