TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
339 ACÓRDÃO N.º 265/10 Uma vez que se trata de despesas com bens e serviços necessários, os coeficientes são decrescentes em função do aumento do nível de rendimento, o que confere um carácter progressivo ao critério de avaliação da insuficiência económica, ou seja, o benefício médio concedido é decrescente com o rendimento. Os acima referidos propósitos de tornar a decisão de concessão de apoio judiciário objectiva e uniforme, além de terem conduzido ao desprezo de despesas correspondentes à satisfação de necessidades básicas de cariz não permanente, como as despesas com saúde e educação, determinaram que o montante das despesas a considerar seja um valor tabelado presumido, resultante da aplicação de um coeficiente legalmente determinado ao valor do rendimento do agregado familiar do requerente, não permitindo, assim, a ponderação de todas as despesas efecti vamente realizadas. Este critério de avaliação das situações de insuficiência económica para efeito de concessão de apoio judiciário, pela sua rigidez, permite que lhe possam escapar situações de efectiva incapacidade económica para satisfazer os custos com uma acção judicial ( v. g. pessoas que tenham avultados gastos permanentes com despesas médicas).» A questão da constitucionalidade deste regime já foi objecto de várias decisões deste Tribunal, que se pronunciou pela inconstitucionalidade de o rendimento relevante ser calculado em termos rigidamente impostos, de acordo com fórmulas matemáticas, sem permitir aferir da real situação económica, em concre to, do requerente, em função dos seus rendimentos e encargos (cfr. os Acórdãos n. os 654/06, 46/08, 126/08, 127/08 e 53/09). A questão decidida pelo Acórdão n.º 515/08 identifica-se com a agora em juízo, pois também aí esteve em causa a não atendibilidade de despesas de saúde. Decidiu-se nesse Acórdão «julgar inconstitucionais por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, as normas constantes dos artigos 6.º, 8.º e 9.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e do ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, interpretadas no sentido de que, na determinação da insuficiência económica do requerente do benefício de apoio judiciário, não há lugar à ponderação dos encargos concretamente suportados pelo agregado familiar, designadamente, com despesas de saúde». Reproduz-se a parte essencial das considerações em que a decisão se apoiou, às quais inteiramente se adere: «Decisivo é que o critério legal é insensível à existência concreta de encargos especiais a que o interessado (e restantes membros do agregado familiar relevante) não pode razoavelmente eximir-se, como são as despesas de saúde, e que afectam negativamente a sua capacidade para fazer frente aos pagamentos que são condição da prática de actos processuais correspondentes à defesa dos seus direitos e interesses legítimos pela via judiciária. Ao não consentirem a sua ponderação, as normas em causa não permitem determinar a capacidade efectiva do requerente do apoio judiciário para suportar os custos do processo. O sistema impede que se considerem como despesas rele vantes dispêndios a que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua capacidade económica. Não se garante, como é constitucionalmente imposto, de acordo com reiterada jurisprudência deste Tribunal, que o sistema de apoio judiciário assegure efectivamente o acesso aos tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados. Acresce que, se pode aceitar-se a irrelevância, para este efeito, de certo tipo de despesas ou encargos que tradu zem a opção por um trem de vida que não é razoável “repercutir” sobre a comunidade através dos mecanismos de apoio judiciário, tal não pode suceder quanto às despesas de saúde, que são, em regra, forçadas e a cuja compressão ou diferimento não é exigível que o cidadão proceda para fazer face ao pagamento da taxa de justiça, porque são elas próprias expressão da realização de um direito constitucionalmente previsto (n.º 1 do artigo 64.º da Consti tuição).» A dimensão normativa em causa é, pois, violadora do direito de acesso aos tribunais, plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
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