TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A propósito, cita-se Gomes Canotilho e Vital Moreira que, na sua Constituição Anotada , Vol. I, 4.ª ed., 2007, pp 771, sobre o referido art. 59.º, afirmam o seguinte: «O segundo problema conexiona-se com a extensão do regime dos direitos, liberdades e garantias dos direitos económicos, sociais e culturais, quando estes tenham obtido um determinado grau de concretização (direitos fun damentais derivados). Trata-se, por um lado, de impedir que a exequibilidade dada a uma norma constitucional lhe seja depois retirada. Desta forma, todos os direitos constantes deste artigo beneficiam de garantia nos aspectos materiais já legalmente concretizados (ex.: o estabelecimento do salário mínimo), os quais não podem ser anulados ou restringidos (...) De resto, isto não é mais do que a aplicação concreta do regime de protecção dos direitos de origem legal (...) às concretizações legislativas dos direitos constitucionais.» Mais adiante, sobre o art. 59.º n.º 1 al. c) da Constituição, a págs. 773, organizam o seguinte comentário: «A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde (n.º 1/c) é, simultaneamente, um direito dos trabalhadores e uma imposição constitucional dirigida aos poderes públicos (e aos empregadores), no sentido de estes fixarem os pressupostos e assegurarem o controlo das condições de higiene, segurança e saúde. Neste senti do, compete ao Estado editar regulamentos de segurança, higiene e saúde e tomar efectivas medidas de controlo da aplicação destes regulamentos. Muitos dos aspectos relacionados com a higiene e segurança estão regulamentados em convenções internacionais da OIT que vinculam o Estado Português. Note-se que a LC n.º 1/97 introduziu a indispensabilidade de a prestação de trabalho ocorrer com condições de saúde, para além das condições de higiene e segurança. Procura-se dar abertura constitucional a algumas directivas laborais europeias referentes à segurança e saúde, hoje transpostas em larga medida para o plano interno (cfr. L 35/2004, arts. 2.º, 41.º e ss).» Finalmente, continuam os mesmos autores, na pp 775, quanto ao n.º 2 do art. 59.º da Constituição: «Enquanto o n.º 1 deste artigo reconhece direitos imediatamente dirigidos contra as entidades empregadoras e o Estado, o n.º 2 estabelece um conjunto de tarefas (incumbências) dirigidas ao Estado (desde logo ao legislador), no sentido de realizar os primeiros (cfr. o caput do n.º 2). Trata-se, portanto, de direitos positivos dos trabalha dores, aos quais correspondem obrigações de concretização (através de leis e outras medidas) do Estado (e não dos empregadores), sob pena de inconstitucionalidade por omissão e, eventualmente, de responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por essa omissão (cfr. art. 22.º).» Logo, quando o Estado impôs a necessidade de serem realizados controlos eficazes da saúde dos trabalhadores e da sua aptidão para o exercício das suas tarefas profissionais, e estabeleceu um regime sancionatório, fê-lo não só porque havia que cumprir aquela Directiva 89/391/CEE, mas ainda porque o art. 59.º n.º 1 al. c) e n.º 2 da Constituição impunha uma obrigação de concretização pelo Estado daqueles direitos positivos dos trabalhadores, tanto mais que estamos em face de direitos fundamentais derivados, que já não podem ser anulados ou restringidos. Repete-se, estando em causa a concretização de normas constitucionais, em que o poder público tem o dever de proteger, de forma activa e interventiva, os direitos dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, estabelecendo um sistema adequado de controlo e fiscalização do cumprimento desses direitos, a substituição do regime sancionatório constante do art. 671.º do CTrabalho de 2003, por um vazio legal – mesmo que, eventualmente, inadvertido – não é constitucionalmente admissível. Assim, respeitando opinião diversa, mas pensando que a questão merece ser discutida sob esta perspectiva, decide-se: – recusar a aplicação da Declaração de Rectificação 21/2009, de 18 de Março, na parte em que rectificou a al m) do n.º 6 do art. 12.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, na medida em que se trata de um autêntico acto legislativo, o qual deveria assumir a forma de lei, após os competentes debates e votações, assim tendo sido violados os arts. 112.º n.º 1, 161.º al. c), 166.º n.º 3 e 168.º n. os 1 e 2 da Constituição; – mas recusar, também, a aplicação do art. 12.º n.º 1 al a) da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o art. 671.º do CTrabalho de 2003, por violação do art. 59.º n.º 1 al. c) e n.º 2 da Constituição.” 2. OMinistério Público interpôs recurso desta decisão, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação da (in)constitucio nalidade das “normas” cuja aplicação foi recusada.
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