TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

360 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislador criou, diz a sentença, um “vazio legal” quanto ao nível de protecção anteriormente atingido, nível de protecção esse que já não podia ser anulado ou regredir. 5. Os “direitos dos trabalhadores” consagrados no artigo 59.º da Constituição não têm natureza homogé­ nea. Alguns apresentam a estrutura de “direitos, liberdades e garantias” (por exemplo, o direito à retribuição do trabalho; o direito ao repouso, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas). Outros pertencem à categoria dos “direitos económicos, sociais e culturais”. O direito à “prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde”, que é o que agora releva, pertence a esta última categoria (cfr. V. Moreira e G. Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, p. 771). Trata-se de um direito cuja realização prática exige que o Estado estabeleça deveres de organização do local de trabalho e das condições de prestação deste e de observação ou vigilância de certos aspectos da aptidão física e psíquica do trabalhador. Deveres esses que, em primeira linha, incidem sobre o outro sujeito da relação laboral, embora também sejam concebíveis deveres secundários que recaem sobre o próprio trabalhador e colegas de trabalho (cfr. artigo 274.º do Código do Tra­ balho de 2003). A cargo do Estado – não considerando aqui as relações de emprego público em que o Estado aparece na veste de sujeito da relação de trabalho e em que a sua vinculação emerge dessa qualidade e do bloco norma­ tivo respectivo (cfr. n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 35/2004) – da norma constitucional derivam, sobretudo, imposições de legislar e de organização de serviços, em ordem não só a estabelecer o regime instituído com tal objectivo constitucional, mas também a assegurar-lhe efectividade. Estamos, porém, num domínio onde não basta estabelecer um quadro normativo que imponha deveres conducentes a combater a sinistralidade e a enfermidade laborais, deixando a sua realização prática na depen­ dência da autonomia privada nas relações entre empregadores e trabalhadores, com eventual recurso à via judiciária por parte destes, em caso de incumprimento. Em primeiro lugar, a desigualdade fáctica na relação laboral, a constatação de que as condições económi­ cas e sociais das partes na relação de trabalho fazem com que esta não seja, na realidade da vida, uma relação paritária e que um dos sujeitos dela, o trabalhador, surja como uma “parte mais fraca” a carecer de medidas de protecção pública. Durante a vida de uma concreta relação laboral, dificilmente cada trabalhador está em condições de pugnar pela defesa individual da sua posição perante eventual incumprimento, por parte da entidade patronal, dos deveres destinados a assegurar a higiene, segurança e saúde no trabalho. Além disso, na generalidade dos casos, trata-se de assegurar a defesa contra situações de perigo para a vida, para a integridade física ou para a saúde dos trabalhadores perante factores de risco cujos efeitos não se produzem imediatamente, ou não são imediatamente perceptíveis, pelo que tem aqui de funcionar um princípio de prevenção ou pro-actividade que só uma defesa colectiva (sindical ou por organizações laborais no seio da empresa) ou comunitária (pública) pode eficazmente assegurar. Deste modo, bem se compreende que o cumprimento dos deveres postos por lei a cargo das entidades patronais em ordem à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho seja tradicionalmente sujeito a fiscalização por parte de entidades públicas ( v. g. organismos de inspecção do trabalho) e que o incumpri­ mento de tais deveres dos empregadores (ou de representantes seus e, porventura, dos próprios trabalha­ dores) seja objecto de sanção repressiva de promoção pública. Isto é, que o incumprimento de tais deveres não acarrete, ou não acarrete somente, mera ilicitude contratual, mas constitua ilícito de mera ordenação social e, em situações de maior gravidade, até ilícito penal. 6. A norma constitucional [artigo 59.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição] protege o trabalhador em três aspectos: segurança, higiene e saúde no trabalho. No caso, a infracção respeita a deveres destinados a assegurar a segurança no trabalho. A sentença (e antes dela a Administração) considerou violados os deveres estabelecidos pelo artigo 273.º, n. os 1 e 2, alíneas a) , b) , d) , f ) e m) , do Código do Trabalho de 2003, que dispunham como segue:

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