TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
362 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conferida tutela através da sanção contra-ordenacional, o legislador pode “despenalizar” a conduta infractora, deixando de prevê-la como ilícito de mera ordenação social. Há aqui, face à natureza da norma (revogatória), dois problemas conexos: o da proibição da deficiência de protecção e o da proibição do retrocesso (obvia mente, se o ordenamento infraconstitucional não consagrasse anteriormente a sanção contra-ordenacional, ainda que se considerasse insuficiente, na perspectiva dos direitos constitucionais dos trabalhadores, um regime que não assegurasse tutela dessa natureza, a questão apenas relevaria da inconstitucionalidade por omissão, não sindicável por esta via). 7. Acerca do princípio da “proibição do retrocesso” afirmou-se no Acórdão n.º 509/02, in Diário da República, I Série-A, de 12 de Fevereiro de 2003 (embora tendo por horizonte normas consagradoras de direitos que se analisam em prestações materiais), o seguinte: “ 9. Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações. Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cfr. Acórdão n.º 474/02, ainda inédito), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alte ração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido Acórdão n.º 39/84. Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência mera mente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções legislativas fundamentais. Este Tribunal já teve, aliás, ocasião de se mostrar particularmente restritivo nesta matéria, pois que no Acórdão n.º 101/92 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 21.º Vol., pp. 389-390), parece ter considerado que só ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem diminuídos ou afectados «direitos adquiridos», e isto «em termos de se gerar violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural», tendo em conta uma prévia subjectivação desses mesmos direitos. Ora, no caso vertente, é inteiramente de excluir que se possa lobrigar uma alteração redutora do direito violadora do princípio da protecção da confiança, no sentido apontado por aquele aresto, porquanto o artigo 39.º do diploma em apreço procede a uma expressa ressalva dos direitos adquiridos. Todavia, ainda que se não adopte posição tão restritiva, a proibição do retrocesso social operará tão-só quando, como refere J. J. Gomes Canotilho, se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial». Ou, ainda, tal como sustenta José Carlos Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação do princípio da igualdade ou do princípio da protecção da confiança; ou, então, quando se atinja o conteúdo de um direito social cujos contornos se hajam iniludivelmente enraizado ou sedimentado no seio da sociedade. ” Este entendimento foi posteriormente reafirmado, designadamente nos Acórdãos n. os 590/04 e 188/09, in Diário da República, II Série, de 3 de Dezembro de 2004, e 18 de Maio de 2009, respectivamente. O que daqui pode retirar-se é que a ideia de proibição de retrocesso só releva numa hipótese como a presente, em que não estão directamente em causa as normas através das quais o legislador consagra ou desenvolve os direitos constitucionais dos trabalhadores, mas normas instrumentais ou de garantia dos direitos que essas concretizam, se puder concluir-se que a alteração legislativa (a supressão da sanção) “consequencia uma
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