TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
363 ACÓRDÃO N.º 269/10 inconstitucionalidadepor omissão”. Com efeito, como se aceitou no Acórdão n.º 47/06, transcrevendo Jorge Pereira da Silva: “De facto, não há grandes dúvidas de que a revogação integral de uma lei constitucionalmente devida acar reta a inconstitucionalidade por acção da própria lei revogatória. É certo que esta lei só enferma de tal desvalor na medida em que, fazendo renascer uma situação de incumprimento de um dever específico de actuação legislativa, está na origem de uma inconstitucionalidade por omissão. Por outras palavras, embora tenha sido a lei revogatória a desencadear uma situação de vazio normativo constitucionalmente inadmissível, do ponto de vista dos valores jurídicos negativos tudo se passa em sentido inverso, assumindo a inconstitucionalidade da lei revogatória (incons titucionalidade por acção) natureza consequente em relação à referida situação de vazio normativo (inconstitucio nalidade por omissão). No entanto, é igualmente verdade que, na situação em análise, o legislador não está apenas a ‘não fazer algo’ imposto pela Constituição, como é próprio das omissões legislativas. O legislador está antes a ‘desfazer’ e, mais precisamente, está a ‘desfazer algo’ que era e é prescrito pela Constituição. Por isso, a lei revo gatória, que consubstancia o acto de desfazer, não é fiscalizável (enquanto geradora de uma inconstitucionalidade) por omissão, mas sim por via de acção” ( Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas , Lisboa, Universidade Católica, 2003, pp. 245 e segs., especialmente pp. 282 e segs. e 286). 8. Recorde-se que o incumprimento ou cumprimento defeituoso pelo empregador de normas protecti vas dos trabalhadores que fica sem tutela repressiva respeita a deveres atinentes à organização das instalações, dos locais e dos processos de trabalho e de adopção de medidas preventivas que diminuam os riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, em ordem a assegurar que a prestação de trabalho possa decorrer em condições de “segurança e saúde”. Logo na fixação da disciplina jurídica dessas condições materiais da prestação de trabalho impostas ao empregador, goza o legislador ordinário de uma ampla margem de discricionariedade. O cumprimento desse dever de normação está sujeito a uma medida “mínima”, sendo violada a “proibição de insuficiência” (Untermassverbot) quando as normas de protecção ficarem aquém do constitucionalmente exigível. Efectivamente, “o Estado deve adoptar medidas suficientes, de natureza nor mativa ou de natureza material, conducente a uma defesa eficaz dos direitos fundamentais. A verificação de uma “insuficiência de juridicidade estatal” deverá atender à natureza das posições jurídicas ameaçadas e à intensidade do perigo de lesão de direitos fundamentais” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 273). Como o Tribunal tem salientado (cfr., por exemplo, Acórdão n.º 75/10) do ponto de vista da liberdade de actuação estadual e, em particular, de conformação legislativa, é grande a diferença estrutural entre os deveres negativos, de abstenção, e os positivos, de activa intervenção tuteladora. No domínio dos primeiros, assente que uma certa e determinada medida é ofensiva de um direito fundamental, o dever de a omitir impõe-se, prima facie . Isto porque a proibição de aniquilar ou afectar esse direito abrange toda e qualquer ingerência com tal virtualidade, incluindo, portanto, aquela específica medida que está em apreciação. Inver samente, o dever de protecção não importa a automática ordenação de “todas” as iniciativas a que seja de imputar esse resultado. E isto porque, enquanto que a proibição de ingerência só se cumpre com a omissão de todas as acções de destruição ou afectação, a realização de uma só acção adequada de protecção ou pro moção é condição suficiente do cumprimento do mandato constitucional nesse sentido. Somente se existir uma única acção suficiente de promoção ou protecção é que ela se torna necessária para o cumprimento do dever de protecção. 9. É certo que o direito consagrado na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição postula uma actuaçãodo Estado, não só no sentido de editar normas relativas à higiene, segurança e protecção da saúde dos trabalhadores, mas também de tomar efectivas medidas de controlo da sua aplicação e de repressão da respectiva violação. Sem fiscalização pública a imposição de deveres neste domínio ficaria em larga medida “letra morta”. E, se não puder desencadear procedimentos sancionatórios, a actuação das entidades fiscalizadoras será, em
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