TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

373 ACÓRDÃO N.º 270/10 ao que se lê no pedido, a questão não está, pois, em saber se não existem outros meios “que melhor protejam o valor da vida”. Está apenas em saber se o meio concretamente escolhido satisfaz ou não o mínimo de protecção. É o cumprimento efectivo de um dever, não o eventual aproveitamento de uma permissão, que constitui o objecto de apreciação, pelo que há que ajuizar unicamente se os meios de que o legislador se socorreu para tal fim levam o direito infraconstitucional a situar-se num ponto ainda consentido pela proibição de insuficiência. (…) O que está em juízo, digamo-lo de uma vez por todas, é saber se os instrumentos penais de intervenção podem ser substituídos, sem perda de eficiência, ou sem perda de eficiência comprometedora da satisfação do imperativo de tutela da vida antes do nascimento, por outros meios jurídicos de conformação, de carácter não penal (…)». Transpondo estas considerações para o campo do ilícito de mera ordenação social, importa, portanto, frisar que a tutela contra-ordenacional de valores constitucionais – tais como a protecção da saúde dos traba­ lhadores [artigo 59.º, n.º 1, alínea c) , da CRP] – só será constitucionalmente reclamada, quando constitua o único meio de protecção daqueles mesmos valores. O que importa, então, é avaliar se o «princípio da proibição da insuficiência» está a ser respeitado. Ou seja, avaliar se, para além da tutela contra-ordenacional, o legislador adoptou medidas legislativas suficientemente aptas a proteger a saúde dos trabalhadores. Só no caso de tal se demonstrar é que será possível concluir pela inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. Ora, deve começar por notar-se que a alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, mantém plenamente aplicáveis todas as normas da Lei n.º 35/2004, relativas à saúde no trabalho, obrigando o empre­ gador, designadamente, a: i) manter serviços internos, externos ou inter-empresas de segurança, higiene e saúde (artigo 218.º); ii) escolha de um representante dos trabalhadores com formação adequada e validada pelo organismo do ministério competente (artigos 222.º e 223.º); iii) necessidade de autorização para manu­ tenção de serviços externos (artigo 230.º) e de aprovação de acordo para serviços inter-empresas (artigo 228.º), sempre pelo organismo do ministério competente; iv) exigência de vigilância da saúde no local de trabalho por um médico (artigo 244.º); v) dever de realização de exames de saúde (artigo 245.º); vi) coadju­ vação por enfermeiro, em grandes empresas (artigo 246.º); vii) garantia de um período mínimo e máximo de atendimento por parte do médico do trabalho (artigo 250.º). Deste elenco de deveres do empregador, em matéria de protecção da saúde dos trabalhadores, resulta que permanecem aplicáveis – mesmo ao caso em apreço nos autos recorridos – diversas disposições legais que visam, precisamente, acautelar o direito fundamental à saúde no local de trabalho. Alguns desses deveres implicam, aliás, um controlo por parte da Administração Pública, a quem cabe autorizar e aprovar os serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho. Outros criam verdadeiros direitos subjectivos na esfera jurídica dos trabalhadores que, em caso de lesão dos mesmos – designadamente, por inacção dos empregadores –, gozam do direito de instaurar as acções necessárias à sua implementação, perante os competentes tribunais. Assim, a protecção do direito à saúde dos trabalhadores [artigo 59.º, n.º 1, alínea b) , da CRP] perma­ nece acautelada, quer mediante o exercício supervisionador da Administração Pública que, em última ins­ tância, pode rejeitar os planos de segurança, higiene e saúde no trabalho, apresentados pelos serviços de cada empregador, quer mediante o acesso aos tribunais, pelos trabalhadores, sempre que os direitos subjectivos decorrentes dos artigos 218.º a 280.º não sejam respeitados pelos respectivos empregadores. É bem certo que, por força da alínea b) do n.º 1, conjugada com o n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, a violação de cada um daqueles deveres do empregador, em matéria de saúde, não conduz à práti­ ca de uma contra-ordenação e, como tal, não o sujeita ao pagamento de uma coima. Porém, tal asserção – a que a decisão recorrida só chega por ter desaplicado a Declaração de Rectificação n.º 21/2009 – não permite concluir pela inconstitucionalidade daquela norma, na medida em que a via da punição contra- ordenacional não se afigura como a única via possível para a protecção do direito à saúde dos trabalhadores, por parte do legislador ordinário.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=