TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

403 ACÓRDÃO N.º 299/10 lei em desconformidade com a Constituição, a inconstitucionalidade não pode apenas ser imputada ao legislador, pois, sendo possível atribuir à lei um sentido conforme com a Constituição, a disposição legal em si é válida. Mas, na hipótese aqui em apreciação, a inconstitucionalidade, ainda que se convole numa inconstitucionalidade mate­ rial, reporta-se unicamente ao processo de integração de lacunas adoptado pelo tribunal. Ora, uma coisa é dizer que a norma que um tribunal extrai, ainda que por analogia, de um acto normativo pode ser fiscalizada pelo Tribunal Constitucional, outra, bem diferente, á afirmar que a própria decisão jurisdicional constitui um acto normativo sindicável pelo Tribunal Constitucional. De resto, se assim não fosse, «todas as decisões judiciais, enquanto tais, susceptíveis de fiscalização da constitucionalidade (...). E assim se defraudaria a Constituição, que expressamente pretendeu que o controlo da constitucionalidade fosse um controlo eminente normativo. Tudo somado, é possível concluir que, nos casos em que o próprio legislador pode (sem ofender a Consti­ tuição) estabelecer por via legislativa solução idêntica àquela que resultava da interpretação ou integração incons­ titucional da lei realizada pelo tribunal a quo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.» 5 – Ora, no presente caso concreto, é manifesto que a questão de “constitucionalidade” aportada a este Tribu­ nal carece da referida dimensão normativa, traduzindo-se num problema em que essencialmente se controverte a aplicação do direito ordinário feita pelas instâncias, quanto à decisão do tribunal a quo de ter considerado que o limite de € 7 500, a que alude o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107.º do RGIT, em confronto com “o princípio da legalidade criminal e o princípio da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”. De facto, quanto à violação do princípio da legalidade, o que o recorrente pretende não é mais do que o con­ fronto do processo interpretativo seguido pelo Tribunal da Relação e da conclusão a que aquele conduziu com o suposto resultado, que no seu entendimento foi pretendido pelo legislador, a implicar o confronto imediato da decisão judicial com o teor da norma incriminadora e, por via consequencial, daquela com a Constituição. O que se confirma pelo facto do recorrente não contestar a validade, sub species constitutionis , da definição ex lege do tipo incriminatório independentemente do valor das prestações omitidas, mas apenas o sentido atribuído pelo tri­ bunal à “extensão” da remissão constante do artigo 107.º do RGIT, que no seu entendimento constitui uma violação dos “artigos 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, [e d]os artigos 107.º, n.º 1, 105.º/1/2, 7.º, 12.º e 15.º do RGIT”. Consequentemente, essa ilegalidade da decisão não densifica um autêntico problema de constitucionalidade normativa que integre a esfera de competência cognitiva deste Tribunal. Por outro lado, quanto à questão da aplicação da lei no tempo, também equacionada pelo recorrente, cumpre salientar, como se afirmou no Acórdão n.º 78/99, que “o Tribunal Constitucional tem que respeitar os critérios utilizados pelo tribunal a quo na determinação do direito aplicado e nesses critérios se incluem necessariamente os respeitantes à aplicação da lei no tempo. Só não terá que ser assim se esses critérios forem eles próprios objecto de uma questão de constitucionalidade formulada em termos idóneos no sentido de, sobre a questão, o Tribunal ter de se pronunciar”. Ora, esses critérios não se encontram controvertidos no caso sub judicio, além de que a questão da aplicação da lei mais favorável nos termos em que o recorrente a perspectivou encontra-se geneticamente depen­ dente do sentido que o mesmo conferiu à disposição do artigo 107.º do RGIT, mas que não foi seguido pelo tribunal recorrido, resultando assim prejudicada pela interpretação conferida à citada disposição.» O recorrente reclamou desta decisão, invocando as seguintes razões: «Prende-se o teor da presente reclamação com a discordância do recorrente relativamente àquilo que na decisão em reclamação se entende ser o objecto e/ou âmbito do recurso de constitucionalidade, no caso em análise em sede de fiscalização concreta. O sistema jurídico Português, ao nível do controlo da constitucionalidade, caracteriza-se por um duplo acesso e controlo das questões de constitucionalidade, tendo os Tribunais comuns acesso directo à constituição e dispondo de competência plena para julgarem e decidirem questões a esse nível mas sendo as decisões dos Tribunais comuns ou da causa recorríveis para um Tribunal Constitucional especifico, exterior à jurisprudência ordinária.

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