TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
411 ACÓRDÃO N.º 304/10 organização de serviços de autoprotecção, exige o legislador que a mesma só possa ser exercida com autorização do Ministro da Administração Interna, titulada por licença e, de igual modo, “após cumpridos todos os requi sitos (…) estabelecidos no presente diploma.” (artigo 22.º, n.º 2). Os “requisitos” a que se refere a lei prendem-se, desde logo, com a condição do “vigilante de segurança privada”. De acordo com o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, consideram-se vigilantes de segurança privada os “indivíduos vinculados por contrato de trabalho às entidades dotadas de alvará ou licença”, e que estejam habilitados a exercer as funções que, logo depois, o próprio preceito enumera. A “habilitação” para o exercício de funções [por parte dos ditos “vigilantes”] pressupõe “formação profissional” (artigo 9.º) e titularidade de “cartão profissional” (artigo 10.º). Para além disso, os demais “requisitos”, de que depende a obtenção de alvará ou licença, reportam-se à estrutura organizativa das próprias entidades candidatas ao licenciamento: estas não podem, por exemplo, deixar de se dotar de meios certos de segurança como os relativos à “vigilância electrónica” (artigo 13.º); de seguir regras precisas como as relativas ao porte de armas por parte do pessoal de vigilância ou à utilização de canídeos (artigo 14.º); e de perfazer outras exigências, entre as quais se conta a formulação do pedido de autorização de acordo com o procedimento fixado no artigo 25.º e a prestação de caução a favor do Estado (artigos 26.º e 27.º). A prestação de serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença constitui, de acordo com o artigo 33.º do Decreto-Lei, contra-ordenção muito grave. No caso, e como já se viu, exerceria a recorrente – cessionária de um estabelecimento de restauração e bebidas – aquele tipo de actividade de segurança privada que, nos termos da lei, corresponderia à “organização, em proveito próprio, de serviços de autoprotecção”. Não detinha a mesma recorrente a licença, exigida por lei. Sustenta-se agora que é inconstitucional semelhante exigência, por ser ela contrária à liberdade de iniciativa económica privada que vem consagrada no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 5. Tem o Tribunal afirmado, de forma reiterada (e veja-se a este respeito a síntese feita pelo Acórdão n.º 187/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , que a inserção sistemática do artigo 61.º no Título respeitante aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais não exclui que o direito que o seu n.º 1 consagra detenha uma certa dimensão de liberdade, dimensão essa enfatizada, depois da revisão constitu cional de 1997, com a redacção actual da alínea c) do artigo 80.º da CRP. A observância do bem jurídico que a liberdade de iniciativa económica visa proteger obriga a que, no contexto de uma sociedade aberta e de uma economia de mercado – componente certa da “economia mista” a que se refere o citado artigo 80.º –, a produção e distribuição de bens ou serviços não seja coisa vedada à acção dos privados, que terão assim um direito a uma actividade não obstaculizada por intervenções desrazoáveis ou injustificadas dos poderes públicos. Tal implica que no âmbito de protecção da norma contida no n.º 1 do artigo 61.º se conte, não apenas a liberdade de iniciar uma certa actividade económica mas também – e depois dela – a liberdade de organização e de ordenação dos meios institucionais necessários para levar a cabo a actividade que entretanto se iniciou. Alega a recorrente que é precisamente esta liberdade de empresa o que, ilicitamente, o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 35/2004 restringe, por fazer depender o exercício da sua actividade de segurança privada – precisamente na modalidade de organização, em proveito próprio, de serviços de autoprotecção – da obtenção de necessária ‘licença’ . Certo é, porém, que o n.º 1 do artigo 61.º da CRP diz, textualmente, que a liberdade de empresa (entendida no duplo sentido: quer enquanto liberdade de iniciativa quanto enquanto liberdade de orga nização empresarial) se exerce nos termos definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. Significa isto que o legislador constituinte, ao reconhecer tal liberdade, o fez sob uma tripla reserva: sob reserva do sistema constitucional no seu conjunto; sob reserva das decisões que, a seu propósito, tome o legislador ordinário; sob reserva daquilo a que chamou “o interesse geral”. Independentemente da questão de saber como devem ser considerados os limites que, para a liberdade de iniciativa económica privada, decorrem desta tripla reserva – se serão limites externos ou internos ao
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