TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito, em si mesmo considerado, de tal ordem que ao legislador ordinário caiba restringir ou conformar a posição jurídica subjectiva que no artigo 61.º se radica –, uma coisa é certa. A redacção que a CRP a este propósito acolhe está longe de ser estranha ou insólita no plano do direito comparado. A Constituição espan hola, por exemplo, determina no seu artigo 38.º que “[se] reconhece a liberdade de empresa no quadro da economia de mercado. Os poderes públicos garantem e protegem o seu exercício e a defesa da produtividade, de acordo com as exigências da economia geral e, se necessário, da planificação”; e a Constituição italiana, por seu turno, dispõe no artigo 41.º que “[a] iniciativa económica privada é livre. Não pode exercer-se con trariamente à utilidade social, ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade e à dignidade humana. A lei determina os programas e os controlos oportunos para que a actividade económica (…) privada possa ser orientada e coordenada por fins de utilidade social”. Embora variem os respectivos enunciados semânticos, em todos estes lugares foi reconhecida sob reserva a iniciativa económica privada. Sob reserva das exigências da economia geral no caso espanhol; sob reserva, i.a., de utilidade ou de fins sociais no caso italiano; sob reserva de interesse geral no caso português. Não restam dúvidas que releva do interesse geral a regulação do modo de exercício das actividades de segurança privada – revistam elas a forma de prestação de serviços a terceiros, ou a forma de organização, para proveito próprio, de serviços de autoprotecção. Estando em causa a protecção de pessoas e bens e a pre venção de prática de crimes, está em causa desde logo o exercício de uma ineliminável função estadual, qual seja, a da tutela eficiente de bens jurídicos constitucionalmente valiosos, e decorrentes de direitos, liberdades e garantias pessoais. A estadualidade da tarefa – e, portanto, a sua “natural” publicidade – revela desde logo a estreita relação que as questões de segurança sempre terão com o interesse geral. Relação que seguramente se não perderá, naqueles casos em que, para proveito próprio, quaisquer entidades organizem serviços de autoprotecção ainda com vista à prevenção da prática de crimes e ao assegurar da integridade de pessoas e bens. Apesar de organizados por privados, semelhantes serviços requererão, para serem prestados, o recurso a meios de força que poderão pôr em risco (para usar as palavras do texto constitucional italiano) a segurança, a liberdade e a dignidade dos demais membros da comunidade jurídica. Justifica-se por isso, e precisamente em nome do interesse geral, que caiba ao Estado, e mormente ao legislador, a definição das condições e pres supostos que devem ser preenchidos para que a actividade de autoprotecção possa ser licitamente exercida. A necessária obtenção de licença, exigida pelo n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 35/2004, não merece por isso qualquer censura constitucional. III — Decisão Pelo exposto, e com estes fundamentos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 3.º, por referência à alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso; c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta. Lisboa, 14 de Julho de 2010. – Maria Lúcia Amaral (com declaração de voto) – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão. Declaração de voto 1. Entendeu o Colégio, neste caso, que o juízo de não inconstitucionalidade se deveria fundar, apenas, na não violação da liberdade de iniciativa económica privada consagrada no artigo 61.º da CRP.
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