TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “A aquisição da prova para o processo, e sua respectiva [in]corporação, pressupõe dois momentos distintos: – o momento da apreensão da prova (real, porque é desta de que in casu se trata); – o momento da revelação da prova. A apreensão precede a revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu proces­ sualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar. É que para o juiz de instrução não existe “segredo”, na medida em que ele também está coberto pelo segredo. Assim, em resumo, e voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir, num primeiro momento – o do inquérito –, segundo a sua perspectiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/ garantir a regularidade das apreensões.” (...) «Problema que se pode vir a colocar, é o da tutela dos direitos de terceiro no que respeita à sua privacidade; ou seja, o problema de factos pessoais desse terceiro, divulgáveis (ou cognoscíveis) através do documento apreendido, que poderão/deveriam estar cobertos por algum “segredo” questão que caso se venha a colocar no processo (e ainda não se encontra equacionada em concreto), sempre se poderá resolver compatibilizando os vários interesses em conflito – da administração da justiça, por um lado, e da tutela dos direitos de terceiro, e da reserva da sua privacidade, pelo outro. Essa compatibilização poderá passar (no que aos direitos de terceiros se refere) pela utilização de tais documen­ tos como prova, “apagando” destes, ou de qualquer outro modo ocultando, todos os elementos que respeitem a essa privacidade (v.g., a identidade pessoal terceiro).» A ser assim, não vislumbramos que as buscas realizadas tenham excedido o âmbito do despacho que as deter­ minou, sendo por outro lado prematuro poder este Tribunal da Relação, no âmbito do presente incidente, excluir os documentos como é pretendido pelos reclamantes, pois que tal exame aprofundado deverá ser feito em sede investigatória, estabelecendo-se as necessárias correlações entre os mesmos e os arguidos. Poderemos sim afirmar que tais docs. apreendidos surgem, na sua aparência, face ao seu visionamento, como directa ou indirectamente relacionados com o objecto das investigações em curso. No que concerne às demais alegadas nulidades, consideramos que as mesmas não se enquadram no âmbito de apreciação da presente reclamação, pois que, numa apreciação necessariamente perfunctória, não representarão o abuso claro e inequívoco por parte do Senhor Juiz, do poder que a lei lhe conferiu de determinar e realizar as buscas em causa, as quais cumpriram as exigências legais previstas nos arts. 176.º, 177.º, 178.º, 179.º e 180.º, Código de Processo Penal, bem como o art.º 71.º do EOA. Refira-se ainda que as alusões que são feitas pelos reclamantes sobre a pessoa do Senhor Juiz de Instrução pelo facto do mesmo ser titular do tribunal onde se desenrolam muitos outros processos onde aqueles representarão outras entidades, são meramente conjecturais, sendo que a lei, tal como se encontra concebida, não permite o afas­ tamento do mesmo nos termos em que vem ventilada. Trata-se aliás de questão que sai fora do âmbito das matérias passíveis de serem conhecidas nesta sede de Reclamação. Diga-se, a finalizar, que também não se descortina em que medida se revela inconstitucional o comportamento assumido, violador do disposto nos arts. 26.º e 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, pois que como se deixou expresso, os actos praticados resultaram de dispositivos legais que os permitiam, sendo certo que a nossa Lei Fundamental quando consagra em sede de Direitos Liberdades e Garantias a preservação da corres­ pondência, da reserva da intimidade da vida privada e familiar e estabelece garantias contra a obtenção e utilização abusivas de informações relativas às pessoas e famílias, não o faz de forma absoluta, ressalvando sempre os casos em que a lei ordinária processual penal admite a violação de tais direitos e garantias. A situação vivenciada nos autos, como já se teve ocasião de referir, surgindo como reflexo da excepção consa­ grada no art.º 71.º, n.º 4 do EOA, permite a apreensão dos documentos e objectos resultantes da busca, logo, a não violação dos apontados dispositivos constitucionais. Desta forma, por todo o exposto, entendemos que não assiste razão aos reclamantes. Consigna-se que foram novamente selados os volumes com os documentos e material apreendido e manter-se- -á a apreensão, devendo os documentos permanecer selados até ser o processo restituído à 1.ª instância.»

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