TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

423 ACÓRDÃO N.º 305/10 b) Pelo que, salvo casos clamorosos e flagrantes, o juiz de instrução criminal pode sempre tomar conheci­ mento dos elementos apreendidos em escritório de advogado, avaliando a respectiva relevância probatória. c) Este poder é tão amplo que tem lugar ainda que: i) entre tais documentos se possa encontrar correspondência que respeite ao exercício da advocacia em processos ou dossiers distintos do processo ou dossier em causa no mandado de busca e apreensão; que ii) estejam a cargo de advogado diferente do advogado constituído arguido; e que iii) aquele mesmo juiz seja competente ou esteja a exercer de facto funções jurisdicionais nesses distintos processos ou dossiers. II. Veio, assim, a aplicar as referidas disposições legais extraindo delas uma norma segundo a qual: Salvo casos clamorosos e flagrantes, o juiz de instrução criminal pode sempre tomar conhecimento dos elemen­ tos apreendidos em escritório de advogado, avaliando a respectiva relevância probatória, ainda que entre tais docu­ mentos se possa encontrar correspondência que respeite ao exercício da advocacia em processos ou dossiers distin­ tos do processo ou dossier em causa no mandado de busca e apreensão, que estejam a cargo de advogado diferente do advogado constituído arguido e que aquele mesmo juiz seja competente ou esteja a exercer de facto funções jurisdicionais nesses distintos processos ou dossiers. III. Tal sentido normativo fora já antecipado e a inconstitucionalidade invocada, conforme se refere no reque­ rimento de interposição de recurso (que se reporta às pp. 2 e 3 do Auto de Busca e Apreensão em Sociedade de Advogados , de 29 de Setembro de 2009, relativo à diligência nessa dia realizada na A., RL, e à fundamentação da reclamação, em especial artigos 84.º e 85.º). IV. Não existe, à luz de critérios de proporcionalidade, razão para restringir os direitos consagrados nos artigos 20.º, n.º 2, 32.º, n.º 1 e, em especial, 3, da Constituição, pelo que, tendo em conta que sem direito ao segredo não há confiança, sem confiança não há informação, consulta jurídica ou patrocínio judiciário eficaz, concluímos ser tal norma inconstitucional ao violar os referidos preceitos (violando, ainda, o artigo 6.º, n.º 3, alíneas b ) e c ), da CEDH). V. Da mesma sorte, a referida norma viola o direito à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da Consti­ tuição) dos clientes, bem como à inviolabilidade da correspondência de clientes e advogados (artigo 34.º, n.º 4, da Constituição), já que tais direitos estão co-envolvidos na tutela do segredo profissional (violando, ainda, o artigo 8.º, n.º 1, da CEDH). VI. Julgando-se incompetente para apreciar a invocada nulidade da constituição de arguido do Senhor DR. D., ao decidir a reclamação mantendo a apreensão sem esperar pela decisão transitada da arguida nulidade, o Mmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação, aplicou ainda os artigos 176.º, 177.º, 178.º, 179.º e 180.º do CPP com o artigo 71.º do EOA, extraindo deles – em decisão surpresa – uma segunda norma nos termos da qual: «Pode manter-se a apreensão objecto de reclamação e o juiz de instrução pode tomar conhecimento dos ele­ mentos apreendidos em escritório de advogados, designadamente correspondência que respeite ao exercício da advocacia, após arguição da nulidade da constituição de arguido que legitimaria a apreensão, mesmo que sobre tal arguição ainda não haja decisão transitada em julgado.» VII. Ora, no caso de documentos que se encontrem em escritórios de advogados, a única restrição possível ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição (que o mesmo permite), está claramente identificada no artigo 71.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados: «o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido » (itálico nosso). VIII. Se se impugna a constituição de arguido e a decisão sobre a legitimidade da mesma ainda não transitou em julgado, não sendo tal pendência relevante para suster a desselagem, abre-se a porta a constituições de arguidos arbitrárias como pretexto para aceder a documentos em escritórios de advogados, fazendo da lei letra morta e da Constituição proclamação vazia. IX. Uma vez que a Constituição estabelece um critério de restrição aos direitos fundamentais em causa, podendoaté tal critério ser limitado em atenção ao princípio da proporcionalidade, o alargamento da restrição aos direitos fundamentais, para além das estritas excepções da lei (e estritas porque não se concebe que uma restrição legal a um direito fundamental possa ser interpretada recorrendo a processos de descoberta de conteúdo que não

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