TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

429 ACÓRDÃO N.º 305/10 Estes artigos da fundamentação surgem na sequência da argumentação dos recorrentes no sentido de obstar a que o juiz que emitiu o mandato de apreensão possa ter acesso aos elementos apreendidos – designa­ damente, por poder vir a ser o juiz de instrução do processo e, sendo o único juiz a desempenhar aquelas funções no Tribunal Central de Instrução Criminal, ter intervenções em diversos outros processos em que intervêm advogados e sócios da 1.ª recorrente, questionando também a abrangência das palavras-chave uti­ lizadas na busca, por poder levar à localização de ficheiros relacionados com a preparação da defesa nesses outros processos –, e entender que, no caso concreto, deve ser o Presidente da Relação, como garantia da preservação do segredo profissional, a pronunciar-se sobre a documentação selada. É neste contexto que se invoca a violação do direito à reserva da vida privada, co-envolvido no segredo profissional, e do direito à inviolabilidade da correspondência, previstos nos artigos 26.º e 34.º, n.º 4, da Constituição. Para a sua preservação, terá de ser o Presidente da Relação e não o juiz de instrução a proceder à selecção do que deve manter-se apreendido e do que deve ser restituído. Porém, esta argumentação dos recorrentes, nomeadamente nos artigos da fundamentação da reclamação que referem e se transcreveram, não ultrapassa o patamar da censura à decisão que aceite a intervenção do juiz de instrução no processo. Não constitui modo idóneo para colocar uma questão de inconstituciona­ lidade relativamente às normas ou interpretações normativas que a decisão adopte, designadamente com referência aos preceitos da lei processual penal e do Estatuto da Ordem dos Advogados que mencionam no requerimento de interposição do recurso. Efectivamente, suscitar uma questão de constitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC) significa colocá-la de forma expressa, directa, clara e perceptível, de modo a criar para esse tribunal um dever de pronúncia autónoma sobre a matéria a que tal questão se reporta. Para tanto não basta aduzir argumentos extraídos de normas ou princípios constitucionais ao fio do discurso, porque essa invocação tanto pode ser entendida como referida à lei, como à validade da decisão (cfr. artigo 3.º da Constituição). Embora sem exigir fórmulas sacramentais, impõe-se que a peça processual coloque o juiz da causa perante o dever de recusar aplicação a uma norma precisamente identificada (ou a um dado sentido dela) se chegar à conclusão de que essa norma (ou esse sentido normativo) seria determinante na solução da questão que lhe é submetida. Para este efeito, a Constituição não se bastou com a imposição aos tribunais de, nos feitos submetidos a julgamento, não aplicarem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204.º da Constituição). Fez depender o recurso para o Tribunal Constitucional de a decisão ter aplicado norma “cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” [artigo 280.º, n.º 1, alínea b ), da Constituição]. Impõe, claramente, um questionamento prévio da constitucionalidade da norma perante o tribunal da causa como pressuposto do acesso ao Tribunal Constitucional, pressuposto este que o n.º 2 do artigo 72.º da LTC se limita a regular. Em termos práticos, suscitar adequadamente uma questão de constitucionalidade normativa é colocá-la em termos tais que a sua não apreciação qua tale pelo tribunal da causa possa ser verberado como nulidade da decisão [artigo 668.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil; sem que isto signifique que a arguição da nulidade por omissão de pronúncia deva integrar o ónus de exaustão dos meios ordinários]. É uma exigência, propiciadora de racionalidade no exercício da função judicial, que não pode considerar-se ónus desproporcionado. Ora, os artigos 84.º e 85.º da reclamação, mesmo no contexto da peça processual em que se inserem, não convocam o órgão judicial ao qual são dirigidos a uma ponderação da constitucionalidade da norma cuja apreciação os recorrentes querem agora deferir ao Tribunal Constitucional de tal modo que pudesse dizer-se que não apreciar o problema nesse plano seja susceptível de constituir nulidade processual. Efectivamente, pede-se ao Presidente da Relação que decida o caso em determinado sentido, sob pena de inconstitucionalidade. Mas em lugar algum se indica, mediante a formulação de uma regra com vocação para uma aplicação potencialmente genérica, a norma que impede essa solução e que, por isso, se pretende ver afastada da decisão do caso com fundamento em inconstitucionalidade. Na repetida afirmação do Acórdão n.º 367/94, a questão de constitucionalidade há-de ser enunciada (e desde logo suscitada) em termos tais que

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