TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

475 acórdão n.º 279/10 Isto é, a preocupação é sempre a mesma, embora com consequências diferentes: fazer o levantamento dos casos em que os interesses privados podem afectar a actuação dos homens públicos, dado que estes, no exercício das suas funções, devem pautar-se pela defesa do interesse público. O legislador não vai ao ponto de interditar a todos os políticos a acumulação de toda e qualquer actividade, a detenção de outros interesses ou o crescimento do seu património e rendimentos, até porque a própria actividade pública é remunerada, mas procura obter um objectivo essencial, ou seja, que eles não favoreçam interesses par- ticulares em prejuízo do interesse público, através da criação de registos idóneos para se poder apreciar a evolução da sua situação patrimonial e interesses particulares em ordem a poder detectar o eventual desempenho parcial das suas funções públicas. Com efeito, as declarações apresentadas no início e no fim de funções são um meio para verificar se houve algum enriquecimento anormal que leve à suspeita da defesa ilegítima de interesses privados, propiciada pelo exer­ cício abusivo da função pública». Em sentido concordante com aquele que se retira do excerto acabado de transcrever interpretou tam- bém já este Tribunal as finalidades prosseguidas através do regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo, ainda que por referência à versão resultante da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril. Essas finalidades – escreveu-se então no Acórdão n.º 289/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – «[…] só podem reconduzir-se ao objectivo de assegurar que os titulares de cargos políticos e equiparados exerçam as respectivas funções com respeito pelas regras da moralidade pública e que, designadamente, não se aproveitem de tais funções para retirar benefícios pessoais de ordem patrimonial. Só a defesa deste valor, na verdade, justifica que sobre tais cidadãos impenda o ónus de declarar o seu património e rendimentos». Apresentando-se, pois, consensual a perspectiva que define as finalidades subjacentes ao regime jurí­ dico do controlo da riqueza pública em razão do cargo a partir de uma ideia de acautelamento do risco de condicionamento da actividade exercida pelos titulares de cargos políticos à satisfação de interesses priva- dos, designadamente em benefício patrimonial dos próprios, pode dizer-se que o resultado da aplicação do diploma em presença só será consentâneo com a racionalidade que lhe vem sendo reconhecida se a posição concretamente ocupada pelo destinatário literal da obrigação ali imposta a este conferir, em termos minima- mente cognoscíveis, a possibilidade de sujeitar a prestação do órgão em que se insira à influência de interesses de outra ordem que não pública. Onde quer que a posição ocupada confira ao seu titular semelhante posição, não haverá, porém, razões para distinguir. Que, quer em relação aos administradores nomeados pelo Governo ou outras entidades públicas, quer no que diz respeito aos administradores eleitos em assembleia geral de sociedades com intervenção deter- minante do capital público, é sempre o Estado quem proporciona, viabiliza e faz aceder o administrador ao cargo, é coisa de que não parece haver dúvidas. E que, em ambos os casos, no conjunto das competências exercitáveis pelo administrador nomeado ou eleito é reconhecível, em idênticos e indiferenciáveis termos, a susceptibilidade de influir no sentido das to- madas de decisão que vierem a caber à entidade administrada e, portanto, de sujeitar tal sentido à influência de interesses de outra ordem, é coisa igualmente clara. Preenchidas portanto, em ambas as hipóteses e em equivalente grau, as premissas que suportam a razão de ser da aplicação do regime do controlo público da riqueza em razão do cargo, aprovado pela Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, e revisto pela Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, pode concluir-se que a teleologia subjacente a tal regime, se em algum sentido pode influenciar a delimitação do âmbito de aplicação da norma da alínea b) do n.º 3 do referido artigo 4.º, é justamente no contrário à diferenciação defendida pelos requerentes. Também deste ponto de vista – que é o último dos percorridos conjuntamente nos requerimentos apre- sentados – as objecções colocadas pelos requerentes não revelam pertinente fundamento.

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