TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A jurisprudência fixada neste aresto foi reiterada nos Acórdãos n. os 63/99, 32/00, 346/01, 92/02, 436/03, 437/03 109/04 e 166/08, que julgaram organicamente inconstitucionais as normas dos correspon- dentes “Regulamentos sobre Publicidade” e “Tabela de Taxas” dos Municípios de Lisboa, do Porto e de Cascais, relativas à taxa devida pela afixação de reclamos luminosos em telhados de ou nos próprios prédios pertencentes a particulares. 8. Esta orientação restritiva entronca na conceptologia própria da ciência das finanças públicas, como os seus defensores reconhecem. Teixeira Ribeiro, por exemplo, aponta essa matriz, quando declara que houve que “pedir às Finanças Públicas o conceito de taxa”, na ausência de uma definição legal ( ob. cit ., p. 291). Acontece, porém, que essa situação se alterou com a promulgação da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro). Na verdade, o artigo 4.º, n.º 1, desse diploma veio explicitar que «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares». De igual modo, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de Dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º, idêntica categorização. Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão causa e servem de con- trapartida à prestação exigível a título de taxa, é incontroverso que o legislador não acolheu aquela concepção restritiva, tendo antes considerado a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto autosuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade, qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações, em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da “utilização de um bem do domínio público”, pois só conta a remoção que a ela conduza. Não pode extrair essa conclusão um intérprete obrigado a presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). A não valer por si mesma, sem mais, a previsão do último tipo de situações qualificadoras da taxa seria inteiramente dispensável e engana- dora. Até porque a utilização de um bem público implica sempre uma prévia permissão ou autorização dessa conduta, sem a qual a utilização está vedada. No quadro dessa previsão, os dois pressupostos estão sempre interligados, sendo manifestamente inapropriada a criação de uma outra hipótese de contraprestação, com um âmbito aplicativo inteiramente coincidente com o de outra já prevista. Pode até concluir-se, tendo em conta esse factor sistemático de interpretação, que o espaço de operatividade autónoma, em face da previsão anterior, da modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico é precisamente dado por aqueles casos em que essa remoção não está funcionalizada à utilização de um bem público. Esta noção mais ampla de taxa não representa, aliás, uma inovação, por via legislativa, pois o legislador limitou-se a perfilhar uma orientação, contraposta à acima referida, já anteriormente presente num significa- tivo sector da doutrina portuguesa. Na verdade, a classificação tripartida, sem qualquer restrição, das moda lidades de taxas já era advogada por autores como Alberto Xavier, Manual de direito fiscal , I, Lisboa, 1974, pp. 42-43 e pp. 48-53, Braz Teixeira, Princípios de direito fiscal , I, Coimbra, 1985, p. 43, e Sousa Franco, Finanças públicas e direito financeiro , II, 4.ª edição, 1992, p. 64. 9. Mas a adopção, pelo legislador ordinário, deste conceito de taxa, posto que não deva ser desconsi derada, não resolve a questão de constitucionalidade. Trata-se, na verdade, de um conceito vigente na ordem infraconstitucional, sem qualquer garantia “auto mática” de aplicabilidade no plano da Constituição. Como logo se afirmou, a este propósito, no Acórdão n.º 346/01, e foi reiterado em arestos posteriores, o princípio da constitucionalidade opõe-se a que os pre- ceitos e princípios constitucionais sejam interpretados “em função do direito infraconstitucional em vigor”. Em face do conceito da lei ordinária, há que aferir se esse é também o conceito pressuposto pelas normas
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