TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
75 ACÓRDÃO N.º 177/10 constitucionais que submetem as taxas a um tratamento diferenciado, em relação aos impostos. E não é de afastar que tal conceito se revele inapto a definir adequadamente o âmbito de incidência da não aplicação das exigências constitucionais referentes aos impostos, o mesmo é dizer, que tenha cabimento um conceito “constitucional” de taxa, mais restritivo do que o fixado na Lei Geral Tributária. Mas o tratamento da questão, no específico plano jurídico-constitucional, não pode ignorar este dado legislativo, pois o que urge saber, ao fim e ao cabo, é se há fundamento para nos afastarmos do conceito de direito ordinário. Não havendo, nesta matéria, uniformidade de posições doutrinais, “o mais” da consagração legislativa de uma das duas orientações em confronto, sem ser decisivo, deve contar, na apreciação a fazer quanto à noção de taxa presente na disciplina constitucional. E, nesta perspectiva, não é descabido considerar que o ónus da argumentação incide com peso acrescido sobre os que entendem ser aquele conceito impres- tável, no plano da normatividade constitucional. Importaria deixar a claro que, com a noção mais extensiva de taxa, ficam libertos das exigências constitucionais respeitantes à imposição de impostos tributos que, de acordo com a teleologia própria dessas exigências, a elas deveriam ficar submetidas. Ora, não vemos que tenha sido avançado, nem na doutrina, nem na jurisprudência, qualquer argu- mento no sentido de que a noção de taxa, tal como estabelecida no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e no artigo 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, contemplando como modalidade autónoma a prestação exigível pela remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, “não serve” ao princípio da legalidade no domínio fiscal, por comprometer as valorações que lhe subjazem. Não só isso não foi feito como, pelo contrário, já se argumentou convincentemente no sentido da ade quação do conceito de direito ordinário às razões constitucionais de diferenciação do tratamento das duas espécies de tributos. Essa ideia já encontra eco na declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues, apensa aos Acórdãos n.º 436/03 e n.º 34/04, onde se salienta que, com a qualificação dos tributos em causa como taxas, seguramente que não saem “postergadas as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional dos conceitos”. Mais recentemente, pode ler-se em Cardoso Da Costa, “Ainda sobre a distinção entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional”, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto , Coimbra, 2006, pp. 547 e segs., pp. 570-571: «Por seu turno, o ponto de vista do direito constitucional, ao distinguir entre dois tipos fundamentais de recei- tas públicas, é naturalmente outro: é antes o da diferente onerosidade de umas e outras para os obrigados ao respec- tivo pagamento – a implicar um tratamento mais estrito e exigente (em particular no que concerne ao princípio da legalidade) para aquelas receitas que correspondem a uma pura “exacção”, sem que o seu sujeito passivo obtenha qualquer utilidade específica ( uti singuli ) com o respectivo pagamento: aí, há que acautelar mais intensamente (para nos restringirmos à consideração do mencionado princípio e das suas funções), seja o direito de propriedade daquele contra exacções desnecessárias ou exorbitantes, seja a legitimidade e a transparência democrática da decisão que estabelece e fica a fundamentar tal exacção. Ora, há-de reconhecer-se que, quando certa receita pública é exi gida para que um particular possa desenvolver determinada actividade ou praticar determinado acto, que sem isso lhe estaria vedado, do pagamento dessa receita deriva sempre, para quem o faz, uma utilidade do tipo antes referido (uma vantagem), traduza-se ela em, ou implique ela ou não a utilização de um bem semipúblico». Acompanhamos inteiramente estas considerações, que levaram o Autor a propender, hoje, para acolher o critério fixado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. 10. Por detrás do conceito restritivo de taxa, estão razões pragmáticas, ligadas à preocupação legítima de obstar a que, sob o rótulo enganador de “taxas”, se obtenham verdadeiras receitas fiscais, receitas a que é de atribuir essa qualificação por não se vislumbrar que o obstáculo a remover tutele um interesse público que não seja esse mesmo, de ordem estritamente financeira. E há que reconhecer que a noção ampla de taxa potencia o risco de verificação dessas situações, em que a exigência de licença é uma “mero estratagema para obter receitas” (Casalta Nabais, Direito fiscal , 5.ª edição, Coimbra, 2009, p. 15, n.º 27).
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